Os amuos que ora respondem pela queda da aceitação do Governo continuam a responder pelo tempo social das elites, que não largam a ribalta do evento brasileiro. O espetáculo a que convida Lula não tem como destinatários as platéias e os telões nobres da população, afeitos de sempre às luzes mediáticas. Quem elegeu o petista não está, ainda, no procênio da nossa vida política, para dizer da sua acolhida e apoio ou, sobretudo, tolerância, com o que ainda não aconteceu, ou inscrito numa agenda que pode escapar até à visibilidade dos primeiros resultados. A nova platéia trazida à recepção da conduta política nacional não temporizará indefinidamente com seu acontecimento gradual, exigindo novas mediações simbólicas - só à mercê de Lula - para contrapor-se à explosão súbita de um desagrado. E estas, possivelmente, numa rede de propagações que possam, de uma só vez, reverter o apoio de base por um repudio súbito e catastrófico pela percepção, de vez e sumária, de uma não virada de página. Na verdade o Governo se organizou em maiorias inéditas no Congresso, e as administra pagando o imediatamente pactuado. Mas estas transações não vão ao tecido da vida social, cuja única intermediação é a do PT, no seu controle, pelos sindicatos, pelas Ongs ou pela miríade de associações em que se levantou o país da marginalidade. Continua a mobilização básica e histórica que chegou ao efetivo exercício do direito de votar. É significativo que Lula, ao primeiro aniversário do Governo tenha sensivelmente mudado a retórica do espetáculo e do milagre e figurado ao país a cenarística dura para caucionar a promessa saída do palanque. No quadro deste passivo inicial para a demarragem do Governo, e que Lula exibiu ao país, somam-se respectivamente o emperro agravado da máquina burocrática, onde se agregam os freios clássicos e a inexperiência muitas vezes da nova equipe; a demora da operacionalização regulamentar dos setores públicos; os obstáculos emergentes, na concatenação entre as entidades governamentais e a sociedade civil, a que a cultura petista se volta maciçamente no incentivo às ongs e entidades comunitárias. Podem-se assim repetir os casos de travame, por exemplo, do programa de Microcrédito, pela falta ainda de uma regulamentação pelo Banco Central, ensejando a que ao fim de 2003 essa iniciativa, ligada à determinação do presidente, e de maior impacto na dita política de descentralização só tenha permitido o desembolso de seis milhões, dos quatrocentos milhões disponíveis, para esses mutuários de baixa renda. Da mesma forma, as reduções ainda sobrevindas às dotações iniciais, como o do Ministério das Cidades, sofreram a quebra sobre a quebra dos recursos mínimos assegurados, reduzindo de 509 milhões para 414 milhões, e, na prática, logrando a aplicação de 339 milhões no Programa Nacional de Urbanização das Favelas. Por outro lado, o programa de incentivo aos agricultores do Nordeste para produção durante a seca, previa a meta oficial de 500 mil famílias mas, na prática, viu-se reduzido a 300 mil Identicamente começa a indenização pela perda da safra, abrangendo 35.118 plantadores. A urgência do projeto básico amargou, ainda, a falta de estruturas locais para dar a necessária irradiação ao crédito, somando-se à rigidez do aparelho bancário a fim de atender a dupla operação, indenizatória e de compra da safra. Ganhou ritmo ascendente a construção de cisternas na área rural. Mas ainda a depender da facilitação dos repasses pelo Ministério da Segurança Alimentar que, afinal, só chegou a 38% do prometido com a instalação de 8.390 unidades sobre as 22.040 inicialmente previstas. As vezes já se azeita por inteiro o novo aparelho de atendimento à frente de impaciências pela melhoria social que urge, de maneira tão nítida, o Ministério das Cidades ao lado do de Desenvolvimento Social. Atentar-se-á, por exemplo, a que o problema da regularização fundiária nas favelas permitiu na dita operação “papel passado” terminam o ano de 2003 com gastos executados de 1,291 milhão, importando 92,2% dos montantes estipulados. Já com um coeficiente de 70% do que anunciou, o Ministério da Agricultura entregou ao Programa de Agricultura Familiar 1,5 bilhão para 500 mil contratos, 121 milhões para investimento, além de 1,379 bilhão para 488 mil contratos de custeio. Toda a análise do começo do mandato de Lula pode se fartar da boa justificação, para a demora de resultados, enquanto o realismo político foi a resposta mais honesta, senão adequada, à avalanche da vitória, e à dimensão do Brasil que votou pelo PT, em geral, independentemente dos profundidades diversas da opção por um país diferente. Mas qual é hoje a margem de transição profunda com a espera? Existe um vulcão de inconformismo, ainda silencioso? Reforça-se a sideração pessoal pelo presidente? E até quando? De toda a forma esta interlocução profunda é só sua. Seus números de popularidade resistem a qualquer apropriação pelo Brasil de salão. E o mínimo que sai do papel agora no programa de base reforça em exponencial estas crenças. O pano de fundo esperou demais para saber que lhe chega, nunca tardo, porque de vez.