Na reconfirmação dos 260 reais para o salário mínimo, a vitória do Governo acaba com as incertezas de uma possível rebelião do Congresso neste meados de 2004. Cercava-a a primeira queda séria da popularidade, baixada aos 56% depois da plataforma majestosa, dos quase 70% de aprovação continuada. Estes primeiros temores de queda, de qualquer forma, teriam como termômetro de fundo a perspectiva de reeleição de Marta Suplicy na Prefeitura, por excelência, dona do futuro do Governo diferente.
Aí está, repetido, este avanço, aos 30%, de Serra contra os 20% da petista, a criar uma mobilização inesperadamente defensiva do carro-chefe do sucesso do Planalto. Mal começa, entretanto, a aparição de trunfos, recursos, obras e movimento de terra - como de votos - por uma vez marcados com precisão quase cronométrica, para explodir a seu tempo, desobstruindo o caminho da recondução da Prefeita à capital da paulicéia. A atenção federal não se fia apenas na melhora das fichas municipais de Marta, mas em desamarrar, de vez, a fieira de resultados no plano da mudança social, que garante o deslanche do programa acompanhado, por fim, de uma política de emprego e a chegada a furo do que promete o Ministério das Cidades.
De repente, não mais que de repente, a rebelião do Senado parecia ter levado, no topo da República e na quebra da Câmara Alta, ao racha da construção esplêndida das maiorias, que permitiram a votação indiscutível das primeiras reformas pelo Planalto. A diferença dos 12 votos parecia pôr em xeque inclusive os limites do clientelismo como realpolitik petista. No "arranca-voto" final os representantes passaram a ter não mais preço, já que os senadores, pagos e saciados, retornaram ao velho palco da fidelidade por minutos, e ao novo clima de incertezas a prazo, quanto à reeleição presidencial. A derrota poderia ter sido a mola de um gatilho, inclusive, para desarrumação, antes das eleições municipais, deste situacionismo construído por Dirceu e Aldo Rebello. ACM e Heloísa Helena - documenta a foto do inesperado - compunham a ponta de uma mesma gargalhada de forra, em que se confluíram o hiperpragmatismo do apoio a Lula e o trespasse do sectarismo doutrinário, em ruptura com o partido.
A maioria esmagadora dos 100 votos da Câmara para a volta ao dantes, no quartel de Abrantes, no valor do salário mínimo aplastou o arremedo e levou-a ao réquiem constrangedor desta legião estrangeira da rebeldia. Mostrou a segurança do trunfo político do Governo, e a tranqüilidade com que, afinal, vingou para ficar uma dominante de votos bem para além do estrito coeficiente do PT, e até com eleitorados maciços, a favor do Planalto em quóruns superiores ao partido de fé. Não foi outro o caso, tanto do PL quanto do PTB, a disputarem, talvez, com outro cacife, as mudanças possíveis no dote político, após os freios de ajuste para a segunda etapa do mando petista. O importante agora, talvez, tenha sito a reiteração, cá fora, destas maiorias silenciosas de que goza o Governo, deixando sem eco o esforço altista, de última hora, dos 15 reais, quebrando o alarde populista da oposição eleitoreira. Na Câmara está hoje um dispositivo de força do Governo, cujo capital clientelístico parece ter sido arrematado, de vez, para fazer do posicionamento municipal o resultado já deste pacto de continuidade, antecipado com a força dos votos pró-salário mínimo original.
O conforto destas vantagens denota todo o contrário da presumida operação de afogadilho e de luta contra o relógio que teria marcado um arrocho para derrubar a estripulia do Senado. E não obstante o Governo tomar tento, de não antecipar um caráter plebiscitário para as municipais, se entremostra um firme dispositivo situacionista montado, que abate os prognósticos do "Brasil de salão", tentado a jogar a toalha, no que tivesse sido o sonho de uma noite de verão do Governo Lula. Na verdade não entrou ainda nos jogos políticos esta invariante de fundo de apoio ao presidente na visão de fundo do outro Brasil, vista agora por tantos sábios da República como "irracional" ou propensa a tombar de um só fragor, como o apodrecimento contagioso da esperança dos excluídos. Toda a ida a público de Lula reencontra a polvorosa do primeiro momento e da festa no céu da posse. Digam-no as calçadas a estourar da ida à rua do presidente para inauguração do programa Farmácia Popular.
No reconhecimento externo que vem atrasado, sempre, mas marca um compasso de fundo na vigência de um Governo, aí está o "New York Times" a abrir o suplemento dominical com a imagem de Lula. É com os seus erros, desatualizações e perfil de alguma fantasia, o que se torna verdade pelo quanto se consagrou na opinião pública. O sucesso é o que já diz o seu eco. E a glorificação de Lula no jornal-chave já vai a esse fato consumado, da repercussão internacional do País, passada a um folclore cristalizado, e a espaço análogo ao de um Mandela na crônica africana.
O Brasil que aceitou o salário mínimo, sem arrelias do MST ou da CUT, continua no seu compromisso de espera e num pacto estrito com o presidente. Patruz e o Ministro das Cidades são agora os pagadores da promessa imediata do ganho social vencida a estabilização econômica e financeira do País. O atraso se compensa, multiplicado, em pontos ganhos no Brasil que ainda aguarda e fita, tão-só, o homem do Planalto.
Jornal do Commercio (RJ) 2/7/2004