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Artigos

  • Depois da praça

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 20/04/2005

    Todos os encontros, os abraços e os perdões da Praça de São Pedro ainda abafam, pelo seu portento, a implacabilidade do day after. Mais do que apenas atentar ao quanto perdurará o desarme instantâneo ou a sua figuração diante da lógica implacável da ''civilização do medo'' avultada sobre os meros imperativos da geopolítica de sempre, e da eternidade da realpolitik. Paralelamente ao velório do Pontífice realizou-se encontro inédito em Paris de protagonistas do dito ''eixo do mal'', ou de lutadores pela lucidez internacional a tentar, sem retórica nem cinismo, falar, de fato, de um diálogo aberto após o reforço da posição americana para um Bush-bis, apoiado na avalanche torrencial de sua votação. E como falar com este Ocidente empedernido atrás da cruzada, ou da transformação da luta antiterrorista em guerra perpétua, a chegar a alvo de suspeita sobre populações como as marcadas por Islão. Bouterflika, da Argélia, insistiu no debate sobre esta ilação implícita, chegada ao inconsciente das populações do Ocidente, em transpor a ameaça onipresente da Al-Qaeda e o antagonismo larvar, senão suspeição crescente com o mundo islâmico.

  • Diálogo e pluralismo islâmico

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 15/04/2005

    O presidente Lula tomou a iniciativa de reunir as nações árabes pela primeira vez na América Latina. É esforço de enorme impacto que evidencia como a nova política externa brasileira exorbita os laços do continente, e vai além da aliança de Brasília a Pretoria e a Nova Déli. O lance novo é, de fato, de buscar, através dos Estados, a conclamação mais larga deste alinhamento, em que as culturas se encontrem e se definam num marco de resistência a um mundo hegemônico. A visão brasileira foi alvo de larga abordagem, em reunião inédita em Paris, a 5 e 6 de abril, com os presidentes Khatami e Bouteflika. Avança este novo acordar diante de nações críticas, hoje, para superarmos as retóricas fáceis e buscarmos outras vozes mundiais diante da cruzada do Salão Oval.

  • Um mundo que acorda para a hegemonia

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 08/04/2005

    O que pudemos pensar nesses dias da seqüência natural ao seu poder supremo, urbi et orbi, que representou para Bush indicar, como no desfecho de um silogismo, o seu subsecretário, Wolfowitz, para a Presidência do Banco Mundial? O recado que dá a todos nós é o da absoluta conseqüência deste gesto. O mais importante órgão da aparelhagem internacional só se pode conceber para Washington como prolongamento e, de vez, das decisões do Salão Oval.

  • De Gorbatchev a Khatami

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 01/04/2005

    A Unesco recebe segunda-feira próxima o presidente Khatami, em inédita manifestação quanto ao diálogo das civilizações, para aprofundar o entendimento entre o Ocidente e o Islão, ainda à época do espanto com a revolução de Khomeyni. Reforçava-se, então, a aura do novo governante por ter chegado ao poder, no bojo de uma eleição democrática, no seio da República islâmica, a demonstrar a flexibilidade crescente dos seus rumos políticos. A rapidez e o estrépito da queda do Xá punham à nu o atentado profundo, atingindo o inconsciente social de todo um povo, representado pelas formas do progresso e dependência ocidental impostos em verdadeiro terremoto ao país dos Aiatolás.

  • O PT a a volta por cima

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 25/03/2005

    A eleição do deputado Antonio Carlos Biscaia para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara marca a reação nítida do PTB neste segundo tempo do mandato com vista à conservação do recado e do perfil eleitoral do PT, no dizer a que veio para a mudança brasileira. Fora da Mesa da Casa o PT apetrecha naquele órgão básico da tramitação legislativa a marca do comportamento ético e da vigência das prioridades brasileiras frente à vitória inesperada do baixo clero na ameaça de retornarmos ao país da cosanostra. Só se reforçam os piores presságios da anedota chegada ao grotesco, da madrugada da consagração dos Severinos no terceiro poder da República. Não se tratou de quebra-de-braço ideológica, nem de mudança consciente do peso de poder, nem de articulações distintas do a que vem, para valer, como hoje se espera, o exercício da vontade política. Só se somaram, no lusco-fusco ainda do raiar do dia, quando ainda são pardas todas as alianças, o exercício mais escancarado do fisiologismo ocorrido no núcleo mesmo do primeiro poder do povo, no seu fazer de futuro.

  • Universidade e Constituição

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 23/03/2005

    O ministro Tarso Genro tornou a pauta da educação, sem dúvida, a mais relevante, na fronteira das conquistas sociais a que responde, especificamente, o recado do governo. A implementação do Prouni, com o apoio logrado da área pública e, sobretudo, da privada no terceiro grau, representou um avanço qualitativo nas prioridades nacionais do ensino. Tão percutente quanto a do analfabetismo drasticamente reduzido no país, é hoje a da massa de estudantes, mais de um milhão, capacitados à entrada no campus, e barrados pela falta de vagas da universidade pública, e sem recursos para ingressar na particular.

  • Bush e os dois ocidentes

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 18/03/2005

    As declarações do começo da semana de Berlusconi a Bush foram peremptórias. A Itália sai, de vez, da ocupação do Iraque, em conseqüência do morticínio pelas tropas americanas do policial-chefe Calpari que cobriu com seu corpo as balas disparadas contra o carro que conduzia Sgrena ao aeroporto. O reconhecimento é claro, de parte do primeiro-ministro. Não podemos mais afrontar a opinião pública que deu honras de herói nacional frente ao Tabernáculo da Pátria, em Roma, ao protetor da refém italiana. É como se na percussão direta de um repúdio de fundo da dita "Velha Europa" se partisse o último elo, ainda, do liame do continente com a cruzada irrompida pelo 11 de setembro.

  • Condoleeza e a democracia hegemônica

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 11/03/2005

    O sucesso da primeira ida de Condoleeza Rice à Europa representa a perspectiva de a atual Secretária de Estado utilizar em profundidade todos os protocolos de uma nova abordagem ao impasse europeu frente à esmagadora reeleição do presidente americano. Não se discutirá o peso de 59 milhões de votos que credenciaram de vez o segundo termo republicano, com a marca próxima de um plebiscito na reiteração da política internacional da cruzada antiterrorista e da guerra preemptiva. Por certo que o governo Bush procurou na chegada à eleição definir uma frente interna de mudança, e o fez na forma mais candente de permitir a privatização dos seguros previdenciários, inclusive com a viabilidade de trazer esta poupança vital aos jogos da bolsa. Reage o país agora num primeiro impacto a esta dimensão múltipla e onívora do mercado, que fica como o esteio do republicanismo na vida econômica do país.

  • Mártires da consciência ecológica

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 09/03/2005

    Dorothy Stang e o Cabo Dionísio Julio Silveira morreram na mira não de quem apertou o gatilho mas de um medo novo do país arcaico, frente à nossa nova, desarmada, inevitável consciência comunitária. O que desaparece cada vez mais é a velha noção da impunidade que derruba o Brasil arcaico. Leonardo, de 21 anos, paramentou-se para a execução do Cabo Júlio, roupa de camuflagem, a espingarda de seis tiros, em dois disparos a três metros da vítima. Requinte da exatidão, como do ato seguinte, de tirar o uniforme assassino e ir para a praça, no horror assumido, de livrar-se de um estorvo ao seu direito de caçar, e fazendo jus à liderança que buscava no seio do grupo. Rayban, na Amazônia, esparrama-se na assentada monstruosa, cinco balas após o estraçalhamento da cabeça de Dorothy, com a sua 38. Mortes avisadas, na proposição de um novo rito macabro, para valer. Difícil de se acreditar na ameaça, de saída, como se estivéssemos no campo das vendetas, ou do abate de desafetos, no crime de interesse pessoal que pára no algoz, e não pergunta do mando. Ou da motivação maior, ou da percepção difusa do que seja a ameaça que ferreteia o futuro assassino. Dorothy e o Cabo Julio abriram mão da segurança oferecida, por não acreditarem que o tiro se seguisse ao telefonema, a desoras.

  • A bolsa e a vida Severina

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 04/03/2005

    O fracasso da eleição de Greenhalgh, no zênite do poder do PT, só demonstrou, ao mesmo tempo, como as raízes da força de Lula permanecem intactas por fora de qualquer agenda clássica de respostas à expectativa popular. Nos mesmos dias em que o PT foi varrido da Mesa da Câmara, continuam os percentuais do apoio básico ao presidente. Mais ainda, reforça-se a conclusão peremptória: continua imbatível para um segundo turno.

  • Pálida revolução

    O Globo (Rio de Janeiro), em 28/02/2005

    Semana passada, Lula desceu de jeans do avião para abraçar Chávez na pompa de uma visita a Caracas. Pôs a nu o perigo do populismo que o venezuelano trouxe à reivindicação pela nova esquerda latino-americana no fechamento do Fórum de Porto Alegre.

  • Nossa inocência afro-latina

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 25/02/2005

    Falta-nos uma política caribenha a nos livrar do preconceito de uma fraqueza congênita desta região insular, esfarinhada, para muitos, entre diversas culturas. Não vencemos ainda uma interdição original em nos movermos na área pelo impasse de Cuba e uma contra-resposta de Miami, suas minorias ativíssimas e essa "Havana no exílio" já a começar a influir nas eleições da Flórida. E como abordaremos o repto haitiano, hoje primeira mira do Governo neste quadrante político? Qual o trunfo a extrair, desta específica e primeira identidade afro-latina, em que nos distinguimos da América espanhola?

  • A veêmencia de Ronald Corbisier

    Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), em 23/02/2005

    Roland Corbisier, falecido a 10 de fevereiro último, foi o primeiro diretor do ISEB: instituto que, há quase meio século, procurou formular a ideologia do nosso nacionalismo, amarrada à vigência do desenvolvimento. Buscava o impacto mobilizador de uma efetiva tomada de consciência pelo país do seísmo em que importara, à época, a perspectiva dos ''50 em 5'' de Juscelino. Refletia o salto para a mudança, implicando a revisão de tantos mitos, desde a inevitabilidade do progresso até o da nossa condenação ao fracasso no quadro das velhas pestiferações de raça, da preguiça, ou do povo, como denunciava Monteiro Lobato, feito dos Jecas-tatus, à margem da história. O ISEB, empenhado na autoconsciência dos movimentos sociais, viria necessariamente a se chocar com as visões corporativas, ou dos atores privilegiados para o desenvolvimento, tal como das Forças Armadas, a comandar este processo, consoante os imperativos geopolíticos e estratégicos da Segurança Nacional.

  • O Haiti que nos espere

    Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), em 18/02/2005

    O coloquial, tão próprio da identidade latina, encontra na matriz haitiana um adensamento inesperado. Nasceu o país de um levante escravo, num quadro de ruptura sem memória ou invocação do passado. E todo prospectivo, por aí mesmo, num grau de simultaneidade agressivíssima com o padrão da época, tanto a guerra de independência de Toussaint L"Ouverture ou de Christophe os projetou no maior fastígio da era napoleônica.As identidades se fazem de logo a partir dessa quase intoxicação com a conquista do poder e o direito a ombrear-se com o imperador, em Paris, de irmão a irmão, nas cartas, cujo intimismo leva ao espanto e à rejeição do corso. É toda a toalete, o garbo, as insígnias e cocardas e, sobretudo, o chapéu da grand armée que imanta de logo o imaginário dos homens de Cap Haitien, de Gonaives e de Port au Prince. Muito, subseqüentemente, da irritação de Napoleão com Toussaint nasceria da insolência dessa primeira assimilação.

  • Lula, o sucesso em anticlímax

    Folha de São Paulo (São Paulo), em 16/02/2005

    Chegamos a meio caminho do mandato de Lula com o sucesso que quase troca os sinais de apoio ante a expectativa original do governo: as classes mais ricas aplaudem, mais até do que o eleitorado fidelíssimo que o levou ao Planalto. O resultado da dupla Palocci-Meirelles conquistou os novos apoios, que passam a ver no petismo em palácio a continuidade do tucanato. Mas os fiéis de todo o sempre confiam na guinada, acreditando que o segundo tempo será o do despontar de uma social-democracia, para além das restritas receitas cobradas pela dinâmica da globalização. Foram-se os primeiros radicais sem em nada despovoar o pombal petista, mas nas antecâmaras imediatas começaram os distanciamentos. Sinalizaram, mais que a ruptura, o aguardar do começo da diferença, a sair das areias movediças do que está aí.