O que faz com que tantos jovens se interessem hoje por um tempo que eles não viveram? Será que, meio século depois, 1968 ainda tem o que dizer a eles? Dá para confiar numa geração que dizia não confiar em ninguém com mais de 30 anos? Que balanço se pode fazer de um tempo tão carregado de sonhos e de ambições?
Não tem sido fácil responder a essas questões em palestras que venho fazendo em várias cidades para um público cuja média de idade é de cerca de 20 anos. Na hora da indefectível pergunta — “1968 terminou ou não terminou?” — eu respondo que a única certeza é de que vou terminar antes.
Curiosamente, essa nostalgia do não vivido não tem o cheiro de homenagem póstuma, não é a comemoração previsível de uma efeméride; parece mais tentativa de renascimento. Nessa viagem virtual ao passado há um fascínio pelos filmes, músicas, comportamento, mentalidade, personagens, feitos e às vezes até defeitos da época.
O sociólogo francês Edgar Morin classificou então aquele momento como um “êxtase da História” e previu que seriam precisos anos e mais anos para se entender o que aconteceu. Pelo visto, 50 anos não são suficientes. Por ocasião dos 40, em 2008, numa pesquisa de campo para detectar diferenças e semelhanças entre aquela geração e a de 2000 ou do “ecstasy”, cheguei a viver duas experiências radicais: uma rave e uma batida policial.
Na festa no Riocentro, com cerca de 20 mil pessoas e que terminou às 7h da manhã, aprendi que o individualismo das tribos contemporâneas é tanto que uma dupla insólita como a nossa — um senhor de idade avançada e uma garota que podia ser minha neta — passava despercebida. (Só um engraçadinho fez piada: “parabéns, coroa”).
Me ensinaram também que o pirulito na boca de quase todos não era modismo, como acreditei, mas um recurso para não trincar os dentes, efeito causado pelo ecstasy. E os óculos escuros? Essa eu sabia. Como a droga dilata as pupilas, os olhos ficam muito sensíveis à luz. No mais, o colorido das roupas, dos rostos e dos cabelos, as brincadeiras ingênuas lembravam uma festa hippie.
A outra experiência consistiu em participar de uma batida para prender traficantes de drogas sintéticas — uma operação “enxuga gelo” da inútil “guerra contra as drogas” inventada por Richard Nixon.
Quando, de madrugada, me vi ao lado de policiais a caminho do “nosso” objetivo, aliás, alcançado, me lembrei de uma cena de 1968, quando fui levado por policiais não para prender, mas para ser preso como subversivo.
Sinais dos tempos.
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