Nesta terça-feira (12), a ABL viveu um dia simbólico com a cerimônia de formatura do curso “Machado Quebradeiro”, que chancelou o encerramento de um ciclo de muito diálogo e troca entre jovens periféricos e a Academia, parceria da ABL com a Universidade das Quebradas e a FLUP, com organização do Instituto Odeon.
Na formação da fila para entrada no teatro, a empolgação dominava todos os 50 formandos, e eles não disfarçavam. A música ao fundo traduzia o sentimento dos estudantes. Em “Alguém me Avisou”, de Dona Ivone Lara, eles se reconheciam e cantavam em coro, enquanto caminham em direção ao palco de beca e capelo. O curso “Machado Quebradeiro” é formado por jovens da Baixada, da Zona Norte, da Zona Oeste, São Gonçalo, Niterói, de todas as partes.
A formatura seguiu o protocolo geral, com os mestres de cerimônia - dois quebradeiros - capturando a atenção do público com sua espontaneidade, o depoimento do orador de turma, Pedro Araújo, que mostrou um pouco da convivência e suas aspirações literárias, além de depoimentos em vídeos do presidente Merval Pereira, do Acadêmico Ailton Krenak, e, é claro, do momento do juramento da turma.
No final, um vídeo roteirizado, filmado e editado pelo também quebradeiro, Eric Paiva, que compilou depoimentos dos quebradeiros sobre os desafios de ser que acompanha os escritores periféricos, as suas referências literárias, as suas diversas e múltiplas perspectivas, que se respaldam nas suas origens. No vídeo, eles também citam a importância de um curso de formação desse porte ser realizado em uma instituição cultural como a ABL.
Heloisa Teixeira falou da importância do projeto “Universidade das Quebradas”.
"Esse ano foi bem especial para nós, porque estabelecemos duas parcerias importantíssimas. Uma delas com a Academia Brasileira de Letras, sinônimo de excelência e guardiã da língua e da literatura brasileira. A outra, com a Festa Literária das Periferias, a Flup, que revela a cada ano novas vozes e novas ideias de cena literária."
“Quando tomei posse nessa casa me propus a missão de trazer para a ABL junto comigo os descendentes de Machado de Assis. Esses escritores talentosos, negros, e crias de nossas múltiplas comunidades se dedicaram a estudar o Machado, agora de um novo ponto de vista”.
Em vídeo, o presidente da ABL, Merval Pereira, falou da boa relação da ABL com os quebradeiros. Levar o Machado de Assis para o público em geral é uma obrigação nossa, da Academia, e espero que essa leitura, esses trabalhos sobre o nosso maior escritor brasileiro, tenha uma importância na vida de vocês, porque Machado sempre acrescenta muito tanto na linguagem, quanto na humanidade, como uma compreensão do Rio de Janeiro. Convido a todos a repetir a experiência quando quiserem”.
O Acadêmico e escritor Godofredo de Oliveira Neto lembrou que vivemos num mundo em crise de modelos organizativos e da eterna busca por alternativas para a globalização excludente, a afirmação dos direitos multiculturais, dos excluídos.
“O que nos move não são mais as certezas, mas o que emerge como pista para a formação de novos modelos civilizatórios. Refazer o pensamento deve ser a meta primeira de instituições sintonizadas com as novas demandas sociais que exigem uma ordem mais planetária mais justa e igualitária, de que a ABL faz parte, passam por um gradativo rompimento com os muros epistemológicos e metodológicos conhecidos. O desafio de um projeto democrática de desenvolvimento social exige novos saberes, novas práticas e uma mudança na disponibilização do conhecimento.”
Representando os formandos, Pedro Araújo, negro e trans, pontuou em seu discurso que não acredita que Machado não olhou para os seus.
“O embranquecimento de Machado de Assis apagou chaves de leitura de sua obra sobre a perspectiva racial que por séculos fez com que gerações de brasileiros não o reconhecessem como um aliado. Agradecemos de coração aos orientadores que tiveram conosco na feitura dos nossos textos que serão publicados em 2025 numa antologia da Flup. Somos os sonhos dos nossos ancestrais e herdeiros legítimos de Machado de Assis, fundador dessa casa.”
O padrinho da turma, Ailton Krenak também deixou um recado para a turma:
“Eu estou aqui como padrinho dessa turma fantástica que há oito meses se juntou para conhecer a nossa literatura e conhecer em grande estilo Machado Quebradeiros. Esse projeto que a minha colega da ABL Heloisa Teixeira organizou, coordenou e abriu esse diálogo com a periferia. Essa turma conhece a obra e a biografia de um dos mais ilustres autores da nossa literatura brasileira.”
Após a entrega dos diplomas, nos tradicionais canudos vermelhos com Machado Quebradeiros em dourado cintilante, a cerimônia se encerrou ao som do também Acadêmico Gilberto Gil. Porque como já dizia o grande mestre, é preciso ter fé e ela está por toda a parte, com toda sua sutileza e potência. "A fé tá na cobra coral, oh, oh, num pedaço de pão. A fé está na maré. Na lâmina de um punhal. Oh, oh... Na luz, na escuridão. Andá com fé eu vou que a fé não costuma faiá (olêlê)"
O curso
Durante oito meses, todas as terças-feiras, 50 jovens da periferia carioca frequentaram a Academia Brasileira de Letras para examinar vida e obra de Machado de Assis sob a perspectiva racial, no curso de formação de escritores.
Escritores como Jefferson Tenório, Geovani Farias, Marcus Faustini e estudiosos da obra de Machado de Assis como Ana Flavia Magalhães Pinto e Paulo Dutra, entre outros, comandaram as aulas na ABL. Neste período, os alunos assistiram a várias palestras da ABL, como as de Lilia Schwarcz e Ailton Krenak, padrinho da turma.
Os alunos contaram suas próprias histórias por meio da escrita, que serão imortalizadas no livro a ser publicado e lançado pela FLUP. O programa é parte do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Faculdade de Letras da UFRJ.
O curso foi uma parceria da ABL com a FLUP e organização do Instituto Odeon, com patrocínio do Instituto Vale e da Wilson & Sons.
12/11/2024