O escritor e jornalista angolano João Melo visitou a Academia Brasileira de Letras na última quinta-feira (8) e tomou chá com os Acadêmicos. Ele está no Brasil em uma viagem por seis cidades para lançar seus dois novos livros - "Os Sonhos Nunca São Velhos” e “O Perigo Amarelo” - e para debater as relações culturais e literárias entre Angola e o Brasil.
Essa não é a primeira vez que o escritor esteve na Academia. Na primeira, era correspondente da agência de notícias da Angola e morou no Rio, de 1984 a 1999. A terceira visita não irá tardar: a programação é que ele retorne ainda no final desse ano, em outubro/ novembro, para ministrar uma conferência sobre os 50 anos da independência de Angola, comemorados neste ano, e também das outras antigas colônias africanas de Portugal.
“Vou falar sobre as relações desse fato histórico, que é da maior importância, com a literatura e com as relações culturais em geral e as relações literárias em particular entre Angola e África e o Brasil As relações entre as literaturas do Brasil e da Angola são maiores do que nós imaginávamos, a própria literatura angolana moderna foi influenciada diretamente por certas correntes literárias dos brasileiros, nomeadamente o modernismo, o romance nordestino, etc.”.
Melo é membro da Academia Angolona de Letras e figura entre os 21 melhores escritores africanos de 2023, com a obra literária “Angola is Wherever | Plant My Field”, uma distinção feita pela revista cultural ‘African Arguments’, editada no Quênia.
Nascido em Luanda, em 1955, estudou advocacia e jornalismo, foi um dos fundadores da União de Escritores Angolanos e da Academia Angolana de Letras e Ciências Sociais. Foi também Ministro de Comunicação Social da Angola. Escritor profissional desde 2020, João Melo já publicou mais de 26 títulos, entre poesia, conto, ensaio e um romance.
“A Academia Angolana de Letras tem certamente muito a aprender com a experiência secular que a Academia Brasileira de Letras já tem. Tive a oportunidade de participar do chá da academia e vivi ali bons momentos de conversa e de interação com todos. Um ambiente simpático, cordial, e portanto vou levar para a Luanda, enfim, a ideia de as duas academias fazerem talvez alguns projetos em conjunto, quer no Rio, quer em Luanda. Seria interessante.”
Para o escritor, as relações entre as nossas literaturas são mais efetivas do que supõe o conhecimento comum, e até o conhecimento especializado, mas ainda é preciso muito trabalho, não apenas de valorizar, mas também de promover um diálogo em torno disso. Ele observa no Brasil um grande potencial de escritores.
“Eu estou convencido de duas coisas, quer dizer, uma é que a literatura brasileira, que tem muito mais a ver com a literatura angolana moderna do que supõe o conhecimento comum, e até o conhecimento especializado, como também, eu não tenho dúvidas de que as literaturas de Angola, as histórias que nós temos para contar, a nossa poesia. Tem um potencial de leitores no Brasil que não é negligenciável. Agora, é preciso que as editoras não apenas arrisquem, mas sobretudo façam o seu trabalho de marketing competentemente, ir ao encontro desses potenciais leitores que se identificam com as literaturas africanas.
Do ponto de vista histórico, o escritor angolano acredita que as relações são muito estreitas, ou até mesmo, como ele define, “umbilicais", enfim, porque não só os angolanos fazem parte,e ajudaram a formatar a própria demografia e, portanto, a própria população brasileira.
"Lembro que 80% dos afro-brasileiros descendem da região Congo-Angola, portanto, há uma grande porção de Angola dentro do Brasil, como também há uma relativa porção do Brasil dentro de Angola, portanto, desse ponto de vista histórico, as nossas relações são naturais, agora. Já do ponto de vista institucional, que é aquilo que interessa para os nossos dias, eu direi que há muito o que fazer, temos muito o que fazer para corresponder a essas relações de ancestrais que existem entre os nossos dois países. Hoje em dia, em Angola circula muito menos, a literatura brasileira circula muito menos do que já circulou em épocas passadas.
Ele lembra que quando ele tinha 17 anos e morava em Luanda, tinha acesso a revistas como Machete, Cruzeiro, e comprava nas livraria obras de autores brasileiros, como Drummond, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, João Cabral de Melo Neto, etc.
“Hoje isso não existe, os livros não chegam, não são distribuídos, por várias razões que devem ser atribuídas aos dois países devido às transformações econômicas, principalmente culturais, nos dois países. No final dos anos 70, início dos anos 90, havia um trabalho muito importante feito pela editora Ática, que eu acho que acabou ou transformou-se, mas que foi a primeira editora brasileira a publicar sistematicamente autores africanos, muitos dos quais angolanos. Hoje os autores angolanos publicados no Brasil serão uns 5 ou 6, normalmente publicados por pequenas editoras, com uma distribuição muito deficiente, sem praticamente nenhum impacto na mídia."
Ele diz que se sente acolhido no Brasil, desde o ambiente humano à volta, porque andando na rua via gente igual à gente que vê em Luanda, pessoas de todas as cores, e muito parecidos com os angolanos.
"O relacionamento interpessoal tem sido muito fácil. Também, a força da minha ocupação como correspondente de imprensa, eu viajei um bocado pelo Brasil, por outras regiões do Brasil, e sinto-me em casa. Já estava com muitas saudades.”
13/05/2025