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ABL na mídia - O Globo - Para gostar de ler: Próxima Capital Mundial do Livro, Rio investe em rede de bibliotecas públicas

 

A cidade está bem acostumada aos holofotes e, de certa forma, até depende deles. Epicentro do verão, berço do samba, porta de entrada para turistas de toda a parte e sede de grandes eventos internacionais, o Rio de Janeiro ganhará, a partir de abril, mais um título para ostentar sem pudor durante o ano todo: o de primeira cidade lusófona a ser declarada Capital Mundial do Livro pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Na preparação para receber a honraria, as bibliotecas públicas saíram da penumbra e, em boa hora, entraram no foco.

— Bibliotecas são fomentadoras de conhecimento, e as públicas têm um papel social importante porque inserem as classes menos favorecidas e democratizam o acesso à informação e à cultura — atesta o jornalista e escritor Merval Pereira, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Mal no ranking

A rede municipal, com 17 unidades, passa por um processo de requalificação dentro do programa Bibliotecas do Amanhã, da Secretaria municipal de Cultura. Juntamente com as quatro bibliotecas mantidas pelo governo do estado e as três federais — entre as quais a Biblioteca Nacional —, forma um conjunto de 24 instituições administradas diretamente pelo poder público no Rio. É pouco. Rio, Capital Mundial do Livro em 2025.

A relação entre o número de bibliotecas públicas e a população, tomando como base o censo do IBGE de 2022, é de uma para cada 258 mil cariocas. A conta não leva em consideração os acervos de instituições privadas, mesmo aqueles abertos ao leitor em geral, nem as bibliotecas comunitárias e escolares. Com base nos dados mais recentes disponibilizados pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, de fevereiro de 2023, em São Paulo a relação é de uma para cada 212 mil paulistanos. Já a média nacional é melhor: uma para cada 45 mil brasileiros.

Mundo afora, a comparação com outras metrópoles também não é vantajosa. O Rio tem 0,4 biblioteca pública por cem mil habitantes. No ranking com 35 cidades elaborado pelo World Cities Culture Forum, se destacam Varsóvia, com 11,98, Seul com 11,4 e Bruxelas com 10. Também estão na nossa frente Paris (8) e Nova York (2,4). Do Brasil, constam São Paulo (1,34) e Brasília (1). Se estivesse na lista, o Rio ficaria à frente de quatro cidades, entre as quais Istambul (0,3) e Lagos (0,1).

Se a quantidade não é a ideal, o jeito é investir na qualidade. De modo geral, as bibliotecas públicas municipais estão bem conservadas e equipadas, até porque a maioria passou recentemente por modernização de instalações e do acervo. Duas foram entregues em dezembro — a Milton Santos, em Jacarepaguá, e a José de Alencar, em Santa Teresa.

A Biblioteca Municipal Cecília Meireles, também em Jacarepaguá, deverá retomar as atividades no segundo semestre de 2025 totalmente requalificada, funcionando em novo endereço, junto ao Centro Cultural Municipal Professora Dyla Sylvia de Sá, na Praça Seca. A Biblioteca Municipal João do Rio, em Irajá, é outra que será modernizada.

Juntas, as unidades do município atraíram pouco mais de 90 mil leitores de janeiro a novembro do ano passado. Apesar do número crescente — foram 60 mil em 2023, e 38 mil, em 2022 —, o volume ainda é pequeno frente à população de mais de 6,2 milhões de habitantes.

A rede do governo do estado na cidade reúne a Biblioteca Parque Estadual, no Centro, a Biblioteca Parque Manguinhos, a Biblioteca Parque Rocinha e a Biblioteca Pública Estadual Tio Jair da Mangueira. A primeira, a maior delas, fica na Avenida Presidente Vargas, tem acervo de quase 200 mil títulos e atrai em média 5,5 mil leitores por mês. Perto da Central do Brasil, recebe público bastante diversificado, que inclui moradores de rua, estudantes e pesquisadores.

— O conceito da Biblioteca Parque Estadual é voltado para a atração do leitor, não se trata simplesmente de ser uma biblioteca. É um espaço onde acontecem workshops, apresentações de teatro, simpósios e outros eventos ligados ao livro — explica Gabriel Salabert, superintendente de Leitura e Conhecimento da Secretaria estadual de Cultura. Um dos frequentadores mais assíduos do local é José Carlos da Silva, de 51 anos, militar reformado do Exército. Morador do Santo Cristo, ele costuma ser visto por lá várias vezes na semana, já é um velho conhecido dos funcionários e garante ter lido mais de três mil livros. — Desde que aprendi a ler aos 4 anos não parei mais. Venho aqui quase todos os dias e fico ao menos duas horas — diz José, que não tem gênero favorito: — Leio até bula de remédio.

Na esfera federal, a Fundação Biblioteca Nacional reúne, além da própria biblioteca criada em 1810 por Dom João VI, a Casa da Leitura, em Laranjeiras, e a Biblioteca Euclides da Cunha, na Cidade Nova.

Maior biblioteca da América Latina e uma das dez maiores do mundo no segmento, a Biblioteca Nacional tem natureza única: sua missão é coletar, registrar, salvaguardar e dar acesso à produção intelectual brasileira. Seu acervo é estimado em cerca de dez milhões de itens, como livros, mapas, manuscritos e obras raras. A instituição guarda ainda 14 coleções tidas como Memória do Mundo pela Unesco.

— A Biblioteca Nacional é um marco extremamente rigoroso e importante do lugar da biblioteca no imaginário brasileiro, uma grande potência reconhecida aqui e em todo o mundo. Ela tem um compromisso com a memória e é pública no sentido de que é aberta. As bibliotecas hoje têm um papel de liderança, são os verdadeiros pulmões da democracia, sobretudo quando a gente começa a pensar nas bibliotecas comunitárias, que têm papel fundamental — disse Marco Lucchesi, presidente da Fundação Biblioteca Nacional e membro da ABL.

Boa parte do acervo da Biblioteca Nacional está ao alcance de um clique. A partir do projeto BNDigital é possível consultar três milhões de documentos. Só no ano passado foram quase 85 milhões de acessos. Mas as portas do espaço físico seguem bem abertas para quem quiser entrar. E tem bastante gente interessada. Seja para conhecer o prédio histórico, de 1910, na Cinelândia, que atraiu 106.888 visitantes em 2024, seja para pesquisas, com 11.266 atendimentos no mesmo período.

— Há obras que só existem aqui. Nas minhas pesquisas é sempre uma parada obrigatória — conta Fernando Lacerda, pesquisador da Universidade Federal do Pará, enquanto folheia e fotografa cuidadosamente um exemplar do século XVIII em busca de material para sua pesquisa sobre músicas religiosas no Brasil.

Outras iniciativas

Outras portas de acesso aos livros, além das bibliotecas, são as escolas. Das 1.557 unidades da rede municipal, 1.017 são dotadas de salas de leitura. Nos 279 colégios estaduais da capital, 84% possuem esse tipo de espaço. Completam esse “ecossistema” do saber as bibliotecas comunitárias, criadas por iniciativas isoladas ou ONGs. Exemplo bem-sucedido, o projeto Favelivro já instalou 49 bibliotecas em comunidades cariocas, como Vila Kennedy, Barreira do Vasco e Chapéu Mangueira.

— O Favelivro faz a democratização do acesso ao livro ao colocar a biblioteca perto de onde o leitor mora — afirma a professora de língua portuguesa Verônica Marcílio que, em 2012, criou o movimento com o amigo Demezio Batista.

Um edital da prefeitura está selecionando 20 bibliotecas comunitárias, que vão receber, cada, R$ 200 mil para investir em infraestrutura e no acervo. Além disso, até o fim do mês, a Secretaria municipal de Cultura receberá inscrições para três editais no âmbito da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB): o “Viva o Talento edição Rio Capital Mundial do Livro”, com verba de R$ 700 mil para projetos que proponham atividades literárias em locais públicos, o “Feiras Literárias” e “Rio de Escritores”, com recursos de R$ 1 milhão e R$ 600 mil respectivamente.

Estratégias criativas

Algumas bibliotecas adotam, por conta própria, iniciativas para fisgar o leitor. A de Irajá, por exemplo, criou o "Pegue e Leve", onde livros doados que não vão para o acervo são ofertados numa bancada logo na entrada da unidade. Há desde didáticos a romances, livros de crônicas e de não ficção. Para ficar com o exemplar basta anotar o nome num livro de registro, para efeito de controle.

A unidade, cujo nome homenageia o jornalista e escritor João do Rio, possui um acervo com cerca de 10 mil títulos e foi a primeira da rede a ter um prédio construído com a finalidade de abrigar uma biblioteca. De janeiro a novembro do ano passado foi visitada por 17.589 leitores. Entre os autores mais procurados estão Nora Roberts, Augusto Cury e Itamar Vieira Júnior, cujo livro mais recente "Salvar o fogo", integra o acervo.

Inaugurada em 2016, a Biblioteca Municipal Annita Porto Martins, no Rio Comprido ocupa um prédio de dois andares bem conservado. Tem uma estante com obras só de autores negros e um espaço de estudo refrigerado e com tomadas que podem ser utilizadas para carregar celulares e notebooks.

Há no local um espaço para troca de livros. Uma vez por semana alguns exemplares doados que não entram no acervo são colocados à disposição da população na calçada. O período de empréstimo é de 15 dias, mas durante as férias escolares foi estendido para um mês, podendo ser retirado até dois exemplares por vez. Lá, cinco mil livros estão à disposição dos leitores.

A Biblioteca Municipal Machado de Assis, em Botafogo, foi reaberta no começo de julho, depois de ficar quatro anos fechada. A unidade passou pelo processo de modernização e requalificação. O acervo, renovado, agora conta com cinco mil livros para consulta e empréstimo gratuito, e o local tem ainda auditório, sala com computadores, espaço infantojuvenil e espaço dedicado à airte, ciência e tecnologia. As salas multiuso, destinadas a realização de cursos e oficinas, estão temporariamente fora de uso, por conta de um conserto no telhado, segundo funcionários. O espaço agora é administrado pelo Sesc.

Também em meados do ano passado, a Secretaria Municipal de Cultura inaugurou a Biblioteca Municipal Lúcio Rangel, no Centro da Música Artur da Távola, na Tijuca. O espaço tem mais de três mil livros sobre música brasileira e jazz e guarda parte do acervo do jornalista e crítico de música Lúcio Rangel, que foi quem apresentou Tom Jobim e Vinicius de Moraes. O material foi doado pela filha do jornalista, Maria Lúcia Rangel.

Com cerca de dois mil livros, incluindo literatura brasileira e estrangeira, literatura infantojuvenil, Ciências Sociais, Arte e Didáticos, a Biblioteca Municipal Jorge Amado , no Complexo da Maré, possui um perfil mais infantil e toda a equipe é formada por moradores da comunidade. A unidade vizinha à Arinha Herbert Viana, e administrada em sistema de cogestão pelo Redes da Maré, tem público predominante na faixa de 4 a 12 anos.

—É importante garantir o acesso ao livro desde muito cedo. As crianças chegam aqui, às vezes, com dificuldade na leitura e esse espaço ajuda muito com atividades lúdicas — aponta bibliotecária Sandra Santos.

Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/01/12/para-gostar-de-ler-proxima-capital-mundial-do-livro-rio-investe-em-rede-de-bibliotecas-publicas.ghtml

13/01/2025