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ABL na mídia - GQ Globo - Ailton Krenak sobre barbáries contra seu povo: 'Você olha e pensa: 'Quem eu vou matar primeiro?'

 

Ailton Krenak, 72, imortal da Academia Brasileira de Letras, autor do best-seller Ideias para adiar o fim do mundo (Companhia das Letras) teve a família expulsa três vezes da aldeia onde viviam próximo ao Rio Doce, no chamado Vale do Aço, em Minas Gerais, durante a década de 70.

A família do filósofo fugiu para o Paraná, mas os parentes que lutaram para permanecer no território foram impostos a um destino ainda mais violento: o Reformatório Krenak, no município mineiro de Resplendor. “Foi uma resposta à resistência do meu povo”, explica Ailton.

Ailton Krenak é o entrevistado de capa da edição de novembro da GQ Brasil. O intelectual nascido em uma aldeia em Minas Gerais, dá seus palpites (afiados) sobre a COP30, narra como a fúria causada pela violência contra seu povo o fez protagonizar um dos momentos mais importantes na política brasileira. E mais: a GQ também teve acesso a documentos que mostram como o intelectual se tornou um dos grandes alvos da ditadura militar nos anos 80. A edição já está nas bancas e em nossa loja virtual.

A partir de 1969, a língua krenak foi proibida na região do Rio Doce. Assim como ritos espirituais e pinturas corporais. Um simples diálogo entre a língua milenar Krenak poderia levar um indígena à cadeia.

A Ditadura Militar acrescentou elementos ainda mais violentos na repressão: indígenas de diferentes povos - todos homens, de aldeias no nordeste, sudeste, centro-oeste, sul - faziam trabalhos forçados e eram torturados. Mas ainda havia o pior. A polícia os instruía a "esmagar", nas palavras de Ailton. "Eles criavam milícias para que parentes torturassem os próprios parentes", diz.

Uma das cenas mais grotescas aconteceu em 1970, quando um indígena preso a um pau-de-arara, um método de tortura que prende o torturado de ponta cabeça com os pés aprisionados, foi exibido em praça pública em um desfile militar em Belo Horizonte.

Nos anos 70, o Reformatório Krenak foi fechado e os indígenas, transferidos para outro presídio, a Fazenda Guarani, no município mineiro de Carmésia. Segundo Krenak, o local foi uma espécie de combinação entre as forças federais e estaduais para "conter" uma suposta ameaça indígena na região estratégica de mineração para o regime.

Para fugir da perseguição, a família de Ailton, expulsa três vezes da aldeia onde vivia, migrou para o Paraná. O jovem resolveu ficar em São Paulo. Aos 15 anos, conectou-se com os parentes tupis, então asfixiados na periferia da capital. Ali começou a formação política e a crítica sobre os expurgos de seus antepassados.

“Eu me sentia enfurecido. Não era muito diferente do que um menino palestino sente. Você olha em volta e fica pensando: ‘Quem é que eu vou matar primeiro?'”, desabafa. “Se houvesse contingente para uma guerrilha, eu teria feito parte.”

Na metrópole, ele se aliou ao movimento estudantil da PUC, de onde digitava em uma máquina de escrever um jornal enviado a mais de 300 aldeias no país. Era o início da jornada que o levaria a constituir um movimento indígena de proporção nacional que, em 1987, o levaria ao palanque da Câmara dos Deputados, em Brasília, para o discurso histórico onde Ailton pintou o rosto de preto em sinal de luto.

As reuniões dele continuaram a ser vigiadas e interceptadas pela ditadura militar pelo menos desde o início dos anos 80, segundo arquivos do regime aos quais a GQ Brasil teve acesso.

A Justiça só obrigou o Estado brasileiro, a Funai e o governo mineiro a reconhecer a tortura e pedir desculpas em 2021, após anos de apelos à Comissão Nacional da Verdade, grupo organizado para investigar os crimes do período. O pedido de perdão não aconteceu até hoje. Em abril, a Justiça condenou a União por crimes coletivos contra a vida e a história dos krenak, embora o estrago já houvesse sido catastrófico.

Hoje, Ailton, um dos autores mais lidos e primeiro indígena da ABL, não se considera mais um líder indígena - "líder de que? Eu mal lidero eu mesmo!", brinca, mas segue como uma das principais lideranças históricas do movimento indígena brasileiro.

Texto: Marcos Candido

Fotógrafo: Gleeson Paulino

Diretor de conteúdo: @freddigiacomo

Gerente de fotografia e produção: Enzo Amendola

Direção de arte: Victor Amarabile

Stylist: Sam Tavares

Beleza: Sabrina Silva

Set design: Yuri Godoy

Assistentes de fotografia: Edson Luciano e Lucas Morato

Assistentes de moda: Elias Assef

Assistente de set design: Gabriel Figueiras

Vídeo: Pedro Nekrasius

Tratamento de imagem: Nicolas Leite

Onde adquirir a GQ Brasil de setembro

A edição de novembro da GQ Brasil, com Ailton Krenak na capa, chega às bancas nesta sexta (7) e já está disponível no aplicativo Globo+ e na loja virtual, com entrega para a Grande São Paulo e para Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília, Porto Alegre e Campinas.

Matéria na íntegra: https://gq.globo.com/cultura/noticia/2025/11/teria-entrado-em-guerrilha-diz-imortal-ailton-krenak-apos-expulsao-violenta-aldeia.ghtml

11/11/2025