A DEMOCRACIA e as formas republicanas de governo tendem a se expandir em todo o mundo, principalmente depois do fim da chamada Guerra Fria e, mais recentemente, diante dos influxos e afluxos da onda globalizadora que permeia nossos tempos.
Em “O Futuro da Democracia”, Norberto Bobbio, cujo centenário de nascimento é celebrado neste ano, observou que “democracia é definida como um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Praticar eleições livres é essencial; contudo, para que sejam efetivamente democráticas, devem ser periódicas, competitivas, livres e não-manipuladas.
Em 1830, nos pródromos do sistema representativo na Inglaterra, os eleitores representavam 2,3% da população; na Suécia, em 1860, 5,7%; nos Países Baixos, em 1851, 2,4%; em Luxemburgo, em 1848, 2%.
Em todos esses países, assim como no Brasil, nesse tempo praticava-se democracia censitária. Desde 1821, votávamos para eleger os representantes brasileiros às Cortes Constituintes de Lisboa. O eleitorado masculino atingia, em 1872, data do primeiro recenseamento demográfico, cerca de 11% da população adulta, podendo votar os de renda mínima anual de 100$000 (100 mil réis).
Na maioria dos países, a universalização, mesmo restrita aos homens, veio bem mais tarde: em 1893, na Bélgica; em 1918, na Dinamarca; na Finlândia, em 1906; na Inglaterra, em 1918; na Itália, em 1919; na Noruega, em 1913; nos Países Baixos, em 1917; e, na Suécia, em 1921.
No Brasil, ao lado da democracia participativa, em razão dos novos instrumentos acolhidos no texto constitucional de 1988, a soberania popular é exercida por meio do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular.
Esse sufrágio, contudo, depende menos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário do que da sociedade. Temos de nos conscientizar de que a democracia representativa, tal como foi concebida e materializada há dois séculos, não exige dos cidadãos pouco mais do que algumas horas de participação a cada dois anos.
Ela, mais do que do esforço de qualquer governo, dependerá da natureza da cultura cívica e política de cada nação, povo ou sociedade capaz de se mobilizar para discutir as aspirações, as opções e os desafios e, principalmente, encontrar solução para os problemas da comunidade.
As reclamações sobre a distonia entre os desejos e as aspirações que separam os cidadãos de sua representação política, nas casas legislativas e nos governos, não se restringem ao Brasil. Também ocorrem nas mais consolidadas democracias do mundo contemporâneo.
As críticas são ácidas, amargas e, em grande parte, desoladoras. Implicam muitas vezes desesperança, quando não fatalismo ou inconformismo. Somos nós que escolhemos nossos representantes e, em consequência, inevitavelmente nos arrependemos. A democracia ateniense de Péricles se diferencia das democracias participativas. Lá os cidadãos se reuniam para “decidir”, muitas vezes, como no julgamento de Sócrates, cometendo erros fatais, injustiças incorrigíveis, quando não omissões insanáveis. Deliberavam sem “discutir”, sem avaliar, às vezes por impulsos emocionais, quando não por idiossincrasias pessoais.
Convém lembrar outro aspecto essencial dos sistemas políticos contemporâneos. Assim como alguns manifestam desinteresse ou aversão à política, como se fosse possível transformá-la, aprimorá-la e refiná-la, mantendo-se alheios às suas práticas sãs e sadias, não é menor a repulsa que grande parte das pessoas vota nos partidos. A democracia moderna é, como recordam os pensadores e especialistas, um “estado partidário” -valendo-me de expressão cunhada por Hans Kelsen-, pela simples razão de que, sem partidos, torna-se impossível a sua prática.
Os partidos são instituições essenciais aos sistemas políticos que nem as ditaduras os dispensam, cabendo citar os exemplos do nazismo na Alemanha, do fascismo na Itália, do franquismo na Espanha, do salazarismo em Portugal e do stalinismo na antiga União Soviética. Isso mostra que, sem partidos, os sistemas políticos perdem sua funcionalidade e correm o risco de se transformarem não em instrumentos da democracia, mas em recursos da autocracia.
Folha de S. Paulo (SP) 25/02/2009