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O futuro tem um coração antigo

 

Está na hora de pensarmos o bicentenário da Independência. Está na hora, conseqüentemente, de trabalhar para que possamos iniciar uma nova etapa do país, olhando o passado como forma de iluminar o futuro.


No Brasil, geralmente as grandes celebrações, datas inaugurais, de grande conteúdo simbólico não são previamente preparadas e, por isso, suas comemorações ocorrem de forma improvisada – eu diria até de afogadilho.


Conhecemos alguns precedentes. Vou alinhar apenas dois: a passagem dos 100 anos da República e dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. Nessas ocasiões não houve adequada preparação, tampouco uma reflexão crítica sobre o que representava para o país e seu povo o grande encontro de culturas, que se deu em 1500, graças à saga empreendedora de Portugal, e a passagem da primeira centúria republicana.


Isso não ocorre em outros países. Recordo-me quando os Estados Unidos comemoraram o bicentenário de sua Constituição. Os preparativos para aquele evento começaram com 50 anos de antecedência. O mesmo aconteceu na passagem do bicentenário da Revolução Francesa, em 1989. Lembraria, também, os 500 anos de descoberta da América, alvo de grandes celebrações e reflexões, graças ao grande esforço feito na Europa, especialmente pela Espanha.


Não foi sem razão que em carta de 14 de fevereiro de 1839, enviada ao conselheiro Manoel José Maria da Costa Sá, o português João Loureiro, privilegiado observador das coisas brasileiras, escreveu “os homens de hoje, apesar de tantos ócios, não vêem senão com o dia; mesmos as semanas, já chegam a poucos, os meses a muito poucos; os anos a raríssimos; os séculos a nenhum”.


Preocupado com a questão, tive oportunidade de apresentar projeto de resolução, em junho de 2004, com o objetivo de que fosse constituída uma comissão do Congresso Nacional para não somente festejarmos o bicentenário de nossa emancipação política, mas, antes, refletir sobre o nosso passado, isto é, fazer uma reflexão sobre a evolução do nosso país ao longo da história, mormente a partir de 1822. Essa é uma forma de fazer um exercício coletivo de nacionalidade.


Para dar ênfase ao que agora expresso, recorro a três países sul-americanos que estarão celebrando, proximamente, a sua independência. Na Argentina há uma comissão constituída de pessoas do governo e da chamada sociedade civil. Já realizaram uma série de eventos e há outros programados para este ano. Contam, inclusive com o apoio das Nações Unidas. O mesmo se pode dizer com relação ao Chile, que mobilizou a sociedade e constituiu a chamada Comissão do bicentenário da República composta por autoridades e representantes do mundo empresarial, das etnias, da política, das artes, das comunicações, dos desportos e das ciências. Essa comissão é presidida pelo ministro do Interior e tem uma série de eventos já previstos. E, igualmente, na Colômbia há mobilização de intelectuais, empresários e governo.


Isso demonstra que nos encontramos, no mínimo, atrasados em relação a tema tão relevante. É necessário que haja um esforço coletivo, ou seja, uma mobilização dos governos que engaje toda a sociedade. A partir daí, podemos pensar nas nossas opções com relação ao desenvolvimento, às nossas instituições, à nossa política externa, aos desafios que o século 21 nos oferece.


Está na hora de pensarmos o bicentenário da Independência. Está na hora, conseqüentemente, de trabalhar para que possamos iniciar uma nova etapa do país, olhando o passado como forma de iluminar o futuro. Mesmo porque, como disse o historiador Carlo Levy, “o futuro tem um coração antigo”.


Jornal do Brasil (RJ) 11/8/2008