Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A compulsiva reforma política

A compulsiva reforma política

 

O avanço da democracia entre nós exprime o reclamo de uma consciência cívica emergente que não descansará enquanto não se for à lei para virar a página da contínua decepção com o Congresso Nacional. A reforma política torna-se uma compulsão do inconsciente coletivo. O Presidente da Câmara quer tomar a si a tarefa, por inteiro, e à sua hora. Mas aquela impaciência de base leva Lula a apresentar projeto sem mais demora aos parlamentares.


A iniciativa, entretanto, se quer realista, ciente do que já se pode conquistar e da força das resistências ostensivas ou disfarçadas com que o velho statu quo brasileiro não apeia dos seus entranhados privilégios de mando encastelados no Congresso. Não há que repetir a cantilena de sempre para a reforma impossível, adiada de mandato a mandato. É possível, entretanto, desde agora, fixar pontos decisivos em que a crise pós-mensalão já tornou intolerável a conservação de privilégios do exercício do poder de representação, a ter como sinônimo a sua tranqüila impunidade.


Aí estão, para logo, a eliminação dos privilégios de foro dos congressistas e o acabar-se com o faz-de-conta das Comissões Parlamentares de Inquérito. Desbordou a tolerância nacional a incapacidade do corpo legislativo de processar os seus pares e punir pela cassação o mau legislador.


Toda litania do pós-mensalão levou ao mínimo de cassações, mesmo à frente de um dossiê de evidências, desmanchada no "tudo-bem" das Comissões e, a seguir, nas infalíveis absolvições de plenário. O que se impõe, agora, é o reconhecimento pelo Congresso da prova feita fora do cheiro da Casa e levando a averiguação policial a se impor para a formação dos corpos de delito parlamentares.


É, entretanto, da relação direta do poder político com o econômico que a questão crítica dos financiamentos de campanha pode chegar à agenda política. Seu ponto nodal é o da permanência da comandita das bancadas eleitas pelos doadores de campanha, na cobrança precisa de expectativas de interesses que levam às dotações polpudas que encabeçam as votações. A similitude entre o vulto desses dinheiros e as emendas orçamentárias para vantagem de grupos econômicos é a da própria linha de vida em que rege ao Congresso a sociedade econômica, seus trunfos, benesses e comissões, como donas do pedaço, de fato, da vontade legislativa. O financiamento público tentará, ainda, em vão, impor-se à realpolitik do dinheiro eleitoral. Mas é já possível a penalização drástica das declarações falsas de campanha, vinculando-se à cassação sumária de mandato o candidato que pretendeu manter na clandestinidade o tamanho real desses aportes e o condicionamento de suas origens.


Avançou-se também no campo da fidelidade partidária, impondo-se o bridão ao troca-troca de sempre, pelo menos até uma eventual mudança de legenda ao fim do mandato e para efeito de nova campanha. Continua utópica a esperança de que o fecho do vínculo de partido passe ao do programa, e que a ação coesa de uma legenda reflita a expressão com que sai de um pleito. E é delirante a expectativa de que uma reforma política vá ao âmago das vontades partidárias deixadas até, por garantia constitucional, às combinazioni e aos jogos de seus corpúsculos constituídos, diante da frouxidão das convenções e das penalidades de seus membros.


A fidelidade partidária não envolve os corretivos pelas divergências de voto em plenário. De toda forma - e aleluia -, uma reforma já para valer vai dissociar-se da discussão das legendas distritais, dos sufrágios por lista ou uninominais, ou misto-mistos, como refrões da disputa infinita, a não prejudicar mais o aqui-e-agora do passo adiante. A iniciativa da reforma pelo governo sabe dos seus alçapões. Quer o possível e, sobretudo, o que o próprio Judiciário já ratificou, paralelamente, à consciência cidadã. Fique o Congresso, por mandatos afora, com as questões dos modelos eleitorais do nosso mandarinato político. Mas consagrem-se já as conquistas das mudanças, decorrentes do mensalão, do impasse das Comissões de Inquérito e das verbas consignadas dos senhores da República.


Jornal do Commercio (RJ) 18/7/2008