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Do 'Cansei' ao virar a página

 

D. Odílio Scherer negou-se a ceder a Catedral de São Paulo ao movimento do "cansei". Frustrou-se o intento arqueológico das marchas com Deus e pela família, quando o Brasil de GouIart surgia como um repto ao establishment, forrado no clássico fundamentalismo cristão anticomunista.


A Igreja de agora dissocia-se do manifesto, e a sua vinda à praça permanece errática quanto à articulação do slogan em alvos concretos, fora de um sentimento generalizado anti-Lula. O aguilhão convocatório foi o da lembrança da catástrofe de Congonhas, porém com as famílias das vítimas, deliberadamente, afastadas de qualquer "toma da palavra". Valeu como chamada, mas os idealizadores não queriam que a aglomeração acabasse numa mera catarse fúnebre. Da massa não saiu qualquer efetiva mobilização, que passasse do sentimento de mal-estar, mantido em vários desabafos. Permaneceu-se no entoar do Hino nacional, sem desbordar em outras afirmações. Proclamando o caráter apartidário do movimento, paralisado em qualquer ir adiante o “Cansei” voltava aos seus preconceitos de origem dos super ricos. O descuido do seu inconsciente revelariam os pólos crassos do anti-Lulismo, assentado descartes regionais.


As frases do dr. Zutolo, presidente da Philips, sobre o Piauí não são uma gafe ou um dizer impensado, mas o alinhamento instintivo da "voz de fundo", exatamente do país do establishment no seu bunker paulista. A reação nacional despertada pelas frases inacreditáveis demonstrou, nas unanimidades de rejeição, a força instintiva do Brasil contra o "Cansei". O confronto tornou-se antológico, no que é quem, no movimento. Inquieta, entretanto, liderança assumida e ostensiva em que nele permanece o presidente da OAB de São Paulo, não obstante a condenação de tantos de seus colegas no resto do país, e no espanto dos responsáveis últimos pela corporação.


A reiterar a posição pontual na Praça da Sé, o dr. D'Urso dissolidariza-se com os suportes do Estado de Direito, no intervencionismo moralista, de infausto passado. Ou os apóia, e pode dizer tudo, menos que se "cansou" com um Executivo que, pela primeira vez, está levando o país da cosanostra às delegacias.


O processo monumental que ora se abre em Brasília no debate do mensalão, no calhamaço único dos autos, e na torrencial da defesa dos denunciados terá, de qualquer forma, uma virada de página quanto ao que seja a nação para onde vamos.


O escândalo Renan e as decisões, afinal, do Supremo quanto ao processo dos 40 definem-se em outra dimensão do Brasil de fundo, do que o da ira maquilada, que foi à Praça da Sé. É outro o país que irá às ruas, caso se mantenha a impunidade do presidente do Senado, ou se arquive o primeiro ensaio do probatório da corrupção, avançado pelo procurador Antonio Fernando. O processo delongará, a fio, e nele aposta a cosanostra para desafogar a pressão sobre a decisão do Senado. O "mal- estar" passa por "culpados já" e pelas cobranças objetivas de um novo Brasil, para além dos ataques de nervos e do civismo de butique do país instalado.


Jornal do Commercio (RJ) 24/8/2007