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O obsoleto Brasil dos amigões

 

O atabalhoado da crise nessas últimas semanas leva a novas conquistas democráticas. Ainda em susto, continuamos a acreditar que a melhoria de um sistema se faz sempre harmoniosamente, em progressão imperceptível. Ao contrário, é aos trancos e barrancos que se chega agora a um novo Brasil que aperfeiçoa as suas instituições. E o que mais reconforta é ver o quanto a sociedade civil se espanta jubilosamente com a novidade e a quer, para ficar.


Deve parar o grampo indiscriminado da polícia? Ou é só pela amplitude com que se expandiu nesses últimos meses que se consegue, de fato, atingir o universo completo dos murmúrios, codinomes, em que o país esperto mal se adaptou, ainda, ao telefone celular? A amplitude da devassa veio de par com a melhoria tecnológica que dá à polícia a multi-escuta do novo e enorme "lobby" nacional e seu absoluto cassange verbal, como mostram os diálogos da Gautama e cia.


Em não tão priscas eras, este crime estrito da modernidade classificava-se como delito do colarinho branco, para destacar o abuso de poder consentido dentro das elites do país, tutti bona gente, em partilha da mesma cosanostra.


O volume da prova sonora da abominação da República encurrala a velha impunidade do sistema, no pântano sem volta da escuta eletrônica no país. Levará tempo o artifício de escape da corrupção de agora, em fuga, até regressiva, aos controles do grampo. Voltaremos à conversa oral, ao bilhete dos pombos correios, ou aos códigos de segredo das cortes renascentistas? No entrementes, a eficiência dos novos controles dá-nos um corpo de delito que força a virada de página, de vez, do crime maquiado em boato, ou do velho cansaço da confirmação do óbvio. Aumentou a enxurrada de apoio a Lula, quando abriu o Palácio à investigação, sem gabinetes impunes.


A polícia, alvo de todos os vilipêndios do país do "tudo-bem", assume, com o dr. Lacerda à frente - talvez depressa demais - a cabeça de ponte que possa, de fato, levar a um Estado de Direito. Passam a valer os inquéritos até o fim, o probatório contundente, tanto quanto o direito de resposta, e a incriminação leviana e a punição por indiciamentos irresponsáveis, no quadro da Constituição do dr. Ulysses. Ficam para trás as desmemórias e o faz-de-conta perpétuo das comissões parlamentares de inquérito. Esse meio do ano é, também, o da condenação do procurador José Francisco, do Ministério Público, pelos abusos a que pode levar esta mesma investigação, a bem da sociedade civil.


O momento da democracia profunda, por outro lado, não vai passar pelas reformas políticas, ainda como arnicas para salvaguarda do status quo, como sabe o presidente Chinaglia, na interminável discussão corâmica das listas fechadas, ou do voto distrital, ou de quarteirão, ou de condomínios, como querem os síndicos-vereadores. O Estado de Direito prospera não pela melhoria da lei ou pelo prurido do moralismo da hora, mas pelo obsoleto em que caduca uma estrutura social total, seus jeitinhos e amigões, do deixa-prá-lá e do "depois-se-vê".


Jornal do Commercio (RJ) 15/6/2007