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Opinião: Um governo de maiorias desnecessárias

 

Os dados estão aí, exuberantes, a mostrar a prosperidade do segundo governo Lula. Somam-se os números do aumento da renda per capita como da sua efetiva distribuição, de par com a queda das taxas de câmbio e de juros. Mais que acidente de trajetória, a chuva de dólares no país põe em causa a opção de crescimento ainda cravada na tônica exportadora da última vintena.


A escolher entre modelos de seu progresso, o presidente pode se dar ao luxo da demora das iniciativas. O começo cauteloso do segundo tempo é mais o de quem perscruta os rumos a largo prazo, livre de responder à dramaticidade das medidas imediatas. A tranqüilidade emergente pode vir de par com a quebra, de vez, do perfil dos ministérios como um monopólio de elites, passando os seus titulares a operadores da máquina executiva, sem salvadores nem lideranças privilegiadas.


Sem pastas de estrelas, a articulação do PAC só tem paralelo no programa de metas de Juscelino. O plano agora destrava os bloqueios orçamentários e viabiliza, até com possíveis cronogramas, a realização das tarefas a que se comete o Planalto. Mas virá necessariamente o atrito ainda das clientelas, e o jogo de interesses e de lobbies, a redobrar a lerdeza inercial de arranque do aparelho. É este o primeiro risco de um Estado de desenvolvimento, e capaz de sufocá- lo, de saída, sobretudo quando o petismo tripulou a máquina pública, já ingurgitada, com os quadros partidários, na gula de chegadas ao poder.


A crise do mensalão foi benéfica no mostrar não só o nível de penetração petista no sistema, mas de ceder às tentações contumazes do status quo que deveria substituir. E até onde as baixas do mensalão abalaram o partido e a esperança de um governo que qualitativamente mudasse com a chegada de Lula ao Planalto em 2002? Choca qualquer futurólogo, hoje, o contraste entre a desfiguração da legenda e a popularidade do presidente, apoiada cada vez mais na consciência do país dos desmunidos, tocados pelo benefício da mudança. Não importa se, de saída, no impulso assistencial, pelo Bolsa Família, no marco em que emerge a sua nova força política, voltada à raiz dos movimentos sociais; e da possível renovação sindical e do MST, de par com a nova pressão da consciência cidadã.


As próximas eleições municipais viverão este novo quadro, a partir da garantia dos afluxos públicos, assegurada pela ministra Dilma Roussef. E o que mais importa, na Presidência, é firmar o divisor de águas, a partir da conduta do Planalto diante do mensalão, como golpe de morte no governo da propina no país. Cessou a impunidade do clientelismo instalado no poder, e a Polícia Federal ganhou, pela primeira vez, o direito à devassa, no grampeio telefônico, à entrada de gabinetes de ministros e governadores, e a fechar as algemas nos sultões da República.


As fotos da Operação Navalha, mostraram, imeditamente, paletós escondendo os pulsos manietados de superpersonagens das zonas grises das cicatrizes públicas. O lance paralisa a tentativa do novo pacto promíscuo de poder, construído sobre a carbonização prematura do petismo. A escala da razzia só prenuncia o novo lance. O já comprovado dará fôlego ao doutro Lacerda, na chefia da Polícia, ou chegaremos a nova mornidão entre o Planalto e os neoconvidados à partilha do governo?


O crescendo dos escândalos fornece a Lula os símbolos definitivos - para a virada de página - numa política de mudança. Frente às exéquias definitivas da tolerância com a corrupção, o presidente não precisa negociar com a cosanostra, no flanco que abriu à seriedade das políticas de coalizão. O sistema tornou-se refém do Planalto, que não precisa das maiorias excessivas e arriscou-se, à falta do PT, a um demasiado realismo político. A operação Navalha trouxe ao Código Penal a primeira exorbitância dos preços do velho Brasil, guindado ao governo que se quer diferente. Mais que nunca, o que a reeleição deu a Lula não precisa ser negociada com a sobrevivência da pior das clientelas e do carcomido compadrio político.


Jornal do Brasil (RJ) 30/5/2007