Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Todos fora, todos dentro

Todos fora, todos dentro

 

Frente à abertura do palco das novas eleições, a instância das CPIs, muito mais que um gatilho para apoio de forças eleitorais, transformou-se num impromptu de perplexidades gerais. Seu único enredo possível é o do exit rápido do imbróglio nacional, em vez de pódio para heróis, interditos e promoções, trazidos ao proscênio da campanha por sobre a pobreza dos resultados efetivos do que se poderá definir como a pior legislatura do último meio século.


Neste quadro quase pré-eleitoral, decanta-se uma nova rotina pela saturação desses choques e pelo necessário recobrar de uma exigência de estabilidade, quando a condição econômica só faz reforçar a continuidade do governo e sua condição de mantença da inércia do sistema. Neste, envolve-se a lógica da permanência do atual situacionismo necessariamente implicando a proposta da reeleição. Tanto o presidente, independentemente do PT, e por toda a condição de enlace direto com seu eleitorado de base, tenha mantido a simbologia do operário-presidente e conservado o imaginário do Lula lá.


O capítulo a fechar a expectativa suportável pelo País não tem mais todos os atores do começo do escândalo ainda no palco, entretanto, para permitir as semi-soluções de sempre, jogando com o nível tradicional de saturação do espetáculo - no que a poção mediática responda ao nível conseguido de mobilização cívica. Desapareceu o PT como ator coeso do processo, e, na organização das maiorias remanescentes, o aliancismo da prática de José Dirceu transformou-se na condição de sobrevivência da governabilidade no Legislativo. Pôde Lula reconhecer, de saída, a dificuldade de fazer o presidente da Câmara nas candidaturas puro-sangue, transferidas todas as esperanças aos rescaldos da liderança original, buscada nos resíduos de prestígio, do nome sobrevivente do PCdoB.


O que na reação fisiológica das primeiras revelações do esquema Valério levava ao primeiro acórdão, transferiu-se, no desfecho, ao processo sem volta do denuncismo. E à avaliação nova de provas e fatos, a tirar o Legislativo da primeira previsão de que, afinal, na frase de Ibsen Pinheiro, as CPIs "fazem o que o povo quer" - e este o que a mídia decreta.


O embaralhamento dos acusados e o processamento de todas as greis políticas na teia dos relatórios Valério marcham para um dispositivo de segurança frente à fatalidade das batalhas em auto-anulação e que levaria ao digladio de todas as legendas tragicamente feridas pelo simetrismo democrático das acusações. Assiste-se ao inacreditável das retiradas de denúncia entre os partidos e aos recursos antecipados ao Judiciário, travando uma isonomia de tratamento pela lógica política esperada ao forçamento pela Comissão de Ética. A ela competirá, com toda a sabedoria ad hoc, o elastério do trato do decoro à substituição pela oportunidade da avaliação dos fatos e da queda do cutelo. Solta-se das avaliações muito mais complexas, e já próprias do Judiciário, que se lhe sucederia, da infringência da norma e do crime, ou do trespasse objetivo da conduta, por sobre a névoa conveniente do próprio e do impróprio no flexibilíssimo decoro parlamentar.


Beneficiou-se das remoções grotescas de cena, dos Severinos, da clientela encardida, tanto quanto as revelações de Marcos Valério ou de Daniel Dantas não permitem que a polarização entre o PT e o PSDB, no outro extremo das polaridades, se leia como uma forra da ética política ou de um retornismo do tucanato como a pretendida devolução do "bom senso" ao governo brasileiro. Lula não cresce nesse cenário apenas pela inércia avantajada à crise, mas pela falta de delineio nítido do antagonista, quando o gênero de conflito como levantado por Roberto Jefferson deveria delinear um vingador na plenitude, logo, de seu retrato falado. Não existe antagonista, e os claros, na oposição, ainda pioram pelo nível de engalfinhamento entre os herdeiros presuntivos de um alegado fracasso do governo petista.


O que fica claro é o quanto a crise exauriu o seu potencial de desestabilização política imediata no País. Da mesma forma que, mesmo mantenha como refém o presidente, não logrou fazer dos seus contendores os beneficiários de um novo tempo, merecedores de uma confirmação eleitoral. A crise não discerniu os seus protagonistas, nem os cantos da pugna. Assim como se recupera a popularidade de Lula após o nadir de setembro, para o "país-bem", são ainda insuspeitos a profundidade e o ímpeto desse retorno do presidente ao favor eleitoral. E não o capturou, naturalmente, a oposição como seu desafiante, nem logra ela se dissociar dos planos mais obsoletos do velho Brasil, alvo da lógica mais inescapável da mudança.




Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 21/10/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 21/10/2005