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A crise: do ridículo ao grotesco

 

As perplexidades da crise chegariam a esta complexidade-limite em que a corrupção sistêmica criou os mais variados cenários para a culpabilização, por que espera o País, mas como já a repartida nacional. O imperativo mais fundo do ir-se adiante estriba-se na lógica dessa expectativa primeira do País que levou Lula ao poder em 2002. E, de outra parte, no já conquistado na consolidação econômico-financeira e da credibilidade ética que lhe veio, inclusive, desta ponta do sistema. O debate aberto de Palocci com a imprensa brasileira trouxe à população o sentimento de confiança básica de Governo. O ministro desarmou as intrigas, expôs-se ao interrogatório mais radical, espancando as indecisões do pronunciamento de Lula, no recado cabal do que queira o PT que reclame o direito de ir adiante na sua promessa. Registrou-se, sim, um clima indiscutível de desafogo, a marcar uma sabedoria básica do partido, a que se associarão inclusive os inconformismos dos velhos donos do País bem e seus pruridos indignados.


O roldão da crise tem mais por que rebentar no Planalto. Repercutiu, sim, do abalo generalizado do Congresso, passado ao alvo da indignação começada pelas denúncias de Roberto Jefferson. E não se trata, apenas, de desfoque geral da crise e dos chicotes aguilhoados pelas oposições de sempre. Nem há mais a pensar em que o País bem ficaria, de vez, no vaticínio de Jorge Bornhausen, libertado da "raça" do PT. Ou de todo qualquer novo imprudente, ou destemperado, na audácia de querer abalar o status quo, identificado à ordem, seus cartolas e suas conveniências, no latifúndio do País da permissividade, do abuso, da desmemoria e dos exorcismos, "até certo ponto". Na verdade, a crise só pode mostrar a quebra geral dessa perspectiva. No que, no PT, vai além da sua contaminação pelos situacionismos deslumbrados, de quem chegou, enfim, ao Planalto.


O imperativo mais fundo parece vir à hora do dia. O caso Severino não envolveu, apenas, um desfoque eventual do grande processo. Miniaturizou-o, de vez, à escala do País que se aposenta com a vitória do PT, capaz de voltar ao seu primeiro desígnio. Insustentável o País das clientelas vai ao abate, no roldão das novas indignações nacionais, tanto a tragédia não se repete, mas apenas em comédia, mas do grotesco final e insuportável de sua pantomina. Não bastasse a Severino o perfeito phisique de role, não se poderia querer melhor encomenda para que o Brasil de base visse a que trejeitos pode chegar o empedernimento da velha Nação, ao gosto lúgubre e sobrevivente do coronel João Alfredo.


Antes de virar-se a página, devemos à crise do último trimestre o selo da caricatura, o que não volta mais em qualquer levar-se a sério a realidade institucional do País. Não resta ao seu desespero senão a intransitividade absoluta da verborragia da reiteração obsessiva da mentira como verdade, e da canastrice no convocar os valores cívicos a seu apoio. Severino verbera, na mais primitiva das visões do País a que se identifica, a denúncia de seus opositores como homossexuais, tornando bem clara a sua perspectiva dos direitos humanos, no mesmo canhestro de quem o ouviu, no arremedo dos seus cinco minutos tartamudos, no plenário das Nações Unidas.


Os vaivéns seguidos do estarrecimento da Casa com o jagunço-presidente impõem a salvação da imagem do Congresso, a medidas de urgência, na salvaguarda anunciada. Vai ao fundo do palco o impeachment de Lula e torna-se remota à volta ao sacrifício dos deputados, exigido pela indignação mediática. E em que chão se firmará este Congresso para, de fato, começar pelo afastamento de seu presidente, colhido pela mais-valia da propina, como supõem os hábitos e costumes da representação brasileira?


Ao contrário, um semblante como de Dilma Roussef pode já ser o símbolo adicional a ida à frente do sistema, nos gestos que crescerão, tanto se mofina o que a Câmara fará a partir do "mensalinho". O recado é o do desenvolvimento, sim, das instituições, da amplitude do diálogo, reafirmado na força do requisitório jornalístico a Palocci, na passagem da opinião pública, à continuidade do debate comunitário e universitário, na diversidade do gesto de cidadania, em genuíno pluralismo nacional. Este é o dividendo primeiro de uma nova confiabilidade nacional que não se faz pela volta ao marco zero de expurgos, mas pelo desimpedimento sem tardança do que pretendeu empurrar o moralismo rançoso do velho fantasma lacerdista.


O lance de Roberto Jefferson acertou no que não viu. E a velha estrutura só pôde ceder aos seus rachos, ainda disfarçados, porque, exatamente, o Governo Lula começaria pela conquista, para ficar, da absoluta democracia das instituições e do clima-cidadão que passa a garanti-las. Mesmo que cheguem ao desfrute arrogante senão impune das suas novas liberdades, a que se vem arriscando o Ministério Público, ou a sedução mediática por decisões judiciais de primeira instância, de caneta sôfrega.


As indignações de plantão seguem nos labirintos frouxos das Comissões de Inquérito, seus esquecimentos, e novas "questões de ordem". Mas não sem que, dessa vez, a razzia já tenha ido além dos limites do País de sempre. E removido, de vez, com a anedota de Severino o porão do baixo clero. Vacilarão as medidas de reforma eleitoral, não se chegará ao primeiro consenso para que, de fato, possa-se beneficiar já de uma mudança qualitativa como espera o País. Mas fica o consolo de que se espanque de vez, não a combine conservadora, mas sim o que nela já se tornou intoleravelmente arcaico. PFLs terão toda ocasião, no conter-se na derrubada de Lula, a credenciar-se para nos livrar do País dos Severinos.




Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 16/09/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 16/09/2005