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Oposição e clonagem política

 

No andar da carruagem, só se reforça pela crescente popularidade de Lula o horizonte de um segundo mandato. É diante dos tucanos também fortalecidos que deverá se dar o entrevero. Mas onde estão as barras da diferença para a disputa, se se alega que Lula não saiu do neoliberalismo de FH, e a plataforma a que possa almejar, arrancando dessas areias movediças, é a de realizar o programa social democrático, que ficou na gaveta do antecessor? Não é outra a constatação de Cristovam Buarque, após a conversa ampla e franca com o ex-Presidente, apontando para o mesmo refogado ideológico em que se cozinharão as duas legendas. FH olha para o futuro, como o encontro marcado com este programa, sufocado pelo imperativo de manter-se à tona, no seu mandato, uma viabilidade econômica, triturada pelo castigo da economia global. Neste quadro não há projeto, tudo é conjuntura, como salientou com toda sensibilidade o presidente sociólogo da ''Teoria da Dependência'', e da visão paciente pelos lucros e perdas históricas que permitam, a seu tempo, a um governo o saldo da mudança.


É à saída deste pântano do ''vai e vem'' da estabilidade econômico-financeira que herdou dos tucanos que Lula pode descortinar o segundo tempo do mandato. Vence a indefinição ou o descolorido da mesma real politik do antecessor para agora dizer a que veio. Neste passo, entretanto, vai sofrer dessa especialíssima engrenagem histórica, que marca todo o verdadeiro programa de mudança, muito mais ainda quando não abdica de um projeto de transformação social. Não é outra a determinação do presidente, reforçada pela inédita popularidade que pode brandir.


Não há caso igual, na nossa história política, de quem vence o previsível desgaste de meio de mandato e guarda reservas de mobilização na opinião pública para ir a seu recado. Aí está o efetivo arranque da dependência internacional, e graças a todos os riscos calculados assumidos pela dupla Palocci-Meirelles, neste superávit consistente do déficit primário, na garantia do incremento de 4.5 do PNB, do resultado dos yelds nas nossas relações de câmbio ou do incremento da carteira assinada, começando a tirar a população da incerteza do emprego informal. Mas não há luxo de várias repartidas, nem cenários capitosos de outro caminho, no governo que supera o perde e ganha da última década. Tanto enfrentou a receita forçada da estabilização, tanto a social-democracia é a saída de mão única, tal como já o reconhece a paleta das modulações socialistas, que guarda ainda a União Européia, fora do frasco mofado das utopias. Foi o que realizou Lula, no enfrentar os puristas dogmatas - até a expulsão dos insubmissos confessos - ou vencer as visões ingênuas da impaciência do mudar, como se fosse chegar a Palácio e desembainhar, em novo Grito do Ipiranga planaltino, à outra rota que o outro Brasil esperaria.


Lula não responde apenas ao criticismo do país de salão e ao prurido conhecido do cinismo político. Mas ao enorme contingente, para quem o crédito continua e tem olhos de ver para a meada mesma da mudança a se desenrolar. Tarso Genro alude, com razão, a uma esquerda em processo, cujo primeiro saldo começa por se evitar a catástrofe da globalização, deixada à sua inércia, e que levou ao impasse a quase totalidade das ditas nações periféricas.


Cristovam Buarque, neste papel de vigia de horizontes, vê, nestes dias, a chance de retomarmos o encantamento do juscelinismo; desta síntese entre o desenvolvimento e o nacionalismo que teve em Celso Furtado o seu suporte, com a urgência do tempo escassíssimo - adverte-nos sempre Helio Jaguaribe - para fugirmos do fato consumado da corrosiva dependência internacional.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 15/12/2004

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 15/12/2004