Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Tentando ser feliz

Tentando ser feliz

 

Acaba o ano. Ano difícil. Já falei aqui antes que me peguei, durante ele, cultivando pequenas alegrias: o Botafogo e a força insistente do cinema brasileiro traduzido pelo grande filme de Walter Salles, “Ainda estou aqui”, que, tenho certeza, estará entre os cinco finalistas de melhor filme internacional no Oscar 2025, como já está entre cinco ibero-americanos no Goya, correspondente espanhol, dessa vez feito inédito.

Mas como não cambalear ao saber que na noite do dia 24, por exemplo, ao passar por Duque de Caxias, o carro de Alexandre Rangel foi atacado por tiros de armas de fogo que ele até pensou tratar-se de bandido: “Pensei que era bandido, porque não passava por minha cabeça que um policial ia fazer aquilo.” A filha de Alexandre, Juliana Rangel, de 26 anos, está no hospital, pois levou um tiro na cabeça, durante o episódio. Os médicos avisam que seu estado é simplesmente gravíssimo. Mais da metade dos brasileiros, aliás, já declarou formalmente que teme mais que confia na Polícia. Isso pode?

Depois do Natal já tivemos a notícia que um avião da Embraer caiu, provavelmente, abatido pela defesa aérea russa. Todos os passageiros eram civis e, graças ao talento do piloto, houve sobreviventes capazes de nos contar, além da caixa-preta, o que realmente aconteceu.

O presidente da Alemanha, a locomotiva da Europa, dissolveu o parlamento, porque não estava conseguindo governar, e antecipou as eleições para fevereiro. Não muito diferente do que aconteceu na França. A Coreia do Sul, uma democracia mais jovem que a nossa, afastou dois presidentes em menos de um mês. Se, por um lado, esses são fatos que nos fazem acreditar na força das instituições, por outro nos coloca apreensivos na possibilidade que esses vácuos podem significar um avanço global da extrema direita. Por vias não institucionais vimos também a queda do ditador Assad. Já era tempo. Mas sabe lá o que pode vir no lugar? Torcendo para que seja um mundo melhor para a Síria.

O dólar bateu mais do que R$ 6,20. Uma ponte, que unia o Tocantins ao Maranhão, caiu matando muitas pessoas e ainda contaminando o rio com produtos químicos que eram transportados por ela.

E ainda tivemos que chorar a morte de Ney Latorraca. Um artista genial. Na comédia e no drama. Pessoalmente de um humor irresistível. Como não fiz nenhum filme com ele?

A vida não é fácil. O mundo também não. Continuo tentando achar pequenas alegrias para não sucumbir à ideia de que nós, humanos, não demos certo. Uma espécie de utopia esquecida que insiste em me rondar. Se está tudo perdido, nada nos restará, a não ser acelerar a nossa ruína. Sigo, então, acreditando que podemos ter alguma esperança. Afinal, o Botafogo foi campeão e, quem sabe, “Ainda estou aqui” acabe trazendo nosso primeiro Oscar. Continuo tentando ser feliz. Que venha 2025.

O Globo, 29/12/2024