O Acadêmico poeta Raimundo Correia, um dos fundadores da ABL, faria hoje - 13 de maio - 165 anos. Nascido nas agitadas águas da Baía de Mangunça, Arquipélago de Maiaú, município de Cururupu, nas Reentrâncias maranhenses, era, segundo Manuel Bandeira, o “maior artista do verso que já tivemos”.
Natalino Salgado Filho, médico nefrologista, professor universitário, ex-reitor da Universidade Federal do Maranhão, membro titular da Academia Nacional de Medicina e integrante da Academia Maranhense de Letras, ocupante da cadeira 16, cujo patrono é Raimundo Correia, escreveu um texto sobre a vida e a obra desse grande artífice da palavra.
165 anos de nascimento de Raimundo Correia
Natalino Salgado Filho
Em 13 de maio de 1859, veio ao mundo Raimundo de São Luís de Azevedo Correia Sobrinho, eternizado como Raimundo Correia, durante uma viagem marítima de Turiaçu à capital do Maranhão, a bordo do vapor São Luís. Nasceu aos sete meses, embalado ao ritmo das águas da Baía de Mangunça, Arquipélago de Maiaú, município de Cururupu, nas Reentrâncias maranhenses.
Por onde Raimundo passou, provocou gratas surpresas. A começar pela família, com seu ingresso prematuro, alegre e ruidoso; depois, nos colegas e amigos da Faculdade de Direito de São Paulo que leram, em primeira mão, seus versos sérios e suas composições jocosas desconcertantes que fez estampar nos jornais acadêmicos; e, por fim, no público e na crítica, quando se renderam ao seu talento poético, consagrando-o como fenômeno raro de fina poesia.
O zelo do industrioso artífice da palavra mereceu de Manuel Bandeira esta honrosa apreciação: “é o maior artista do verso que já tivemos”. Ou mesmo esta de Ronald de Carvalho: “entre os românticos não houve um só poeta que tivesse a profundidade da arte de Raimundo.” Ou ainda esta outra, de Carlos de Laet, que a ele se referiu como “o mais completo e significativo símbolo da perfeição, e não somente no soneto, como em tantas outras formas de expressão poética”.
Bastante conhecido no meio literário nacional de fins do século XIX, o originalíssimo poeta de Sinfonias foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de n.º 5, cujo patrono é Bernardo Guimarães. E já às vésperas do aniversário de 165 anos de nascimento de um dos virtuoses de nossa literatura, trazemos algumas linhas sobre sua vida e obra, de modo a prestar tributo à sua memória e, especialmente, a seu brilhante legado poético.
A trajetória de Raimundo Correia esteve dividida em duas frentes, uma mais exigente que a outra: a do Direito, que lhe garantiu o pão de cada dia, e a da poesia, a alimentar-lhe a alma. As leis e os tribunais foram a espinha dorsal de sua família paterna, a cuja tradição não escaparia o próprio poeta parnasiano. Pelo menos cinco gerações de familiares graduaram-se nos bancos da Universidade de Coimbra. Entre esses estão seus tetravô, trisavô, bisavô, avô e pai; assim como formados em escolas brasileiras de ciências jurídicas constam tios, primos e um irmão. Seu pai, José da Mota de Azevedo Correia, foi advogado, político, promotor, juiz e desembargador. Maria Clara Vieira da Silva, sua mãe, descendia de rica e influente família do Maranhão.
Ele cresceu em lar de educação rigorosa. No início da vida escolar, teve carolas e sacerdotes por professores, para os quais a boa educação dependia menos da qualidade do aprendizado do que da quantidade de tarefas e castigos aplicados aos deslizes. Juntou-se ao conjunto de sua formação a devoção fervorosa dos familiares à fé católica. Raimundo cursou o ensino médio no Imperial Colégio de Pedro II, no Rio de Janeiro, tempo em que já se via atraído por grandes obras da literatura e ensaiava os primeiros passos na arte de versejar.
Ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo em 1878, e deixou-a em 1882, com o título de bacharel. O que ele viveu nos espaços acadêmicos foi intenso e transformador. Raimundo entrara no curso um conservador, na política, e um romântico, nos versos; ao deixá-lo, era republicano, na política, e parnasiano, na arte poética. Naquele tempo, a faculdade da Pauliceia era um caldeirão em plena ebulição, fustigado pela onda “revolucionária” republicana, e contrário a tudo que cheirasse a regime imperial, inclusive as orientações vindas da escola romântica, que tantos serviços prestara à causa da Monarquia. Raimundo publicou diversas poesias nos jornais da Faculdade, assim como versos jocosos, que achincalhavam com qualquer um, dos amigos mais próximos a personalidades e autoridades do Império.
Tornara-se conhecido e apreciado, na Faculdade, como poeta talentoso. Mas não se dedicava aos estudos. Diziam os muito próximos que ele era um notório vadio. Ali encontrara o espaço, e as motivações, para se entregar, sem meias medidas, à torrente incontrolável do labor poético. Salvava-o, nos afazeres acadêmicos, a inteligência fina, a primorosa organização intelectual (clara, lógica, ousada) e a rara capacidade de memorizar uma enxurrada de escritos e de saber utilizá-los com precisão.
Raimundo conseguiu juntar, da minguada mesada enviada pelo pai, o dinheiro necessário para publicar seu primeiro livro. Contratou os serviços da tipografia da Tribuna Liberal, que lhe imprimiu os Primeiros sonhos, lançados em meados de 1879. O primeiro de vulto a ressaltar o talento do poeta-infante foi Machado de Assis. O Bruxo do Cosme Velho viu em seus versos, mal saídos da adolescência, o “cheiro romântico da decadência” e certa “flacidez”, mas em meio às fragilidades e afetações, percebeu a fluidez, assim como “o movimento e a melodia” que surgem de cada estrofe, a marcar a fina presença da individualidade do poeta.
Raimundo deixou a Pauliceia em direção à Corte em dezembro de 1882, para iniciar a caminhada que o levaria à magistratura. No início desse ano, lança seu segundo livro de poesias, as Sinfonias. O opúsculo veio prefaciado por Machado de Assis, e dedicado ao amigo Valentim Magalhães. Fez enorme sucesso, e foi a mais bem-sucedida obra do poeta nascido em águas maranhenses. A maior parte das poesias de Raimundo que conquistou a alma popular pertence a este livro, como o “Mal Secreto”, “O Anoitecer”, “O Vinho de Hebe”, “Plena Nudez”, “A Cavalgada” e, a mais lembrada de todas, “As Pombas”. Esta composição foi reproduzida em diversos jornais do país, uma ou mais vezes. O soneto inspirou toda uma série de decalques e paródias, que deixaram o poeta irritado, a ponto de Raimundo não mais falar dele.
Então com 23 anos, escreveu o biógrafo Valdir Ribeiro do Val, Raimundo já era um “poeta-filósofo”, a pressagiar o “grande poeta-filósofo” de nossa língua, só equiparável a Antero de Quental. Raimundo revelara-se um agudo e sensível garimpeiro dos dramas humanos da consciência. De sua pena privilegiada desabrocharam encantadoras composições de filosofia pessimista. Mas o poeta não só cantou as dores de consciência e os flagelos da amargura. Não. Seu segundo livro mostra composições vivas e alegres, como os sonetos “No Jardim”, “Na Penumbra”, “Après le Combat” que trazem notas um pouco mais ousadas, ainda que o pudor as domine.
Em 1883, assumiu as funções de promotor público, em São João da Barra, no litoral Norte fluminense. Passou um ano e meio na cidade litorânea. Deixou-a por causa de um novo encargo: foi nomeado juiz de direito da comarca de Vassouras. Antes, porém, resolveu se casar com Mariana de Abreu Sodré. A cerimônia ocorreu em 21 de dezembro de 1884, na fazenda Aurora, em São Vicente Ferrer, município de Resende. Ele com 25 anos, ela com 20.
A vida em Vassouras favoreceu bastante suas atividades literárias. O ambiente se agitava com os escritores locais, também amantes da literatura, que publicavam nos jornais vassourenses. Em 1886, Alberto de Oliveira visita Raimundo Correia, e decidem escrever juntos o folhetim intitulado “Olavo Bilac”, em que apresentaram o vate de vinte anos aos leitores do Vassourense. Alguns anos depois, os três poetas formariam a conhecida “trindade parnasiana”. Mas ali, naquela quadra, nenhum deles poderia ser tido como parnasiano, na exata expressão da palavra.
Neste ponto, é preciso assinalar que o autor de Sinfonias foi originalíssimo, e pouco do que compôs se enquadra nos estritos moldes do parnasianismo, em que prevalece o impessoalismo doutrinário, a substituição do subjetivo pelo objetivo. No afã de eliminar da matéria poética qualquer extrato emocional do eu lírico, a escola francesa pretendeu deixar, em seu lugar, a descrição do meio ambiente, a correção gramatical e de estilo. Ele nunca aceitou tais princípios e, algumas vezes, queixou-se aos amigos de que os produtos parnasianos “são aleijados e raquíticos”, “literatura tão falsa, postiça e alheia da nossa índole” e “pressinto-o, é uma triste e lamentável esterilidade”. Raimundo jamais abriu mão de pôr-se por inteiro em sua poesia, tanto que se disse ser, ele, um parnasiano lírico ou um lírico parnasiano.
Em São Paulo, Olavo Bilac fez a revisão das provas do novo livro de Raimundo Correia, Versos e versões. A obra saiu em junho de 1887, e foi um acontecimento literário da maior expressão. Os amigos que moravam no Rio de Janeiro fizeram-lhe uma honrosa homenagem, quando lhe ofereceram um almoço no Hotel Globo, em 3 de julho de 1887, em que compareceram diversas personalidades do mundo artístico-literário. Com o lançamento de Versos e versões, o poeta passava a integrar a galeria dos nossos mais distintos escritores.
Em 1889, despediu-se do município serrano em meio a muitos protestos de estima, e lhe prestaram calorosas homenagens. Em 22 junho, Raimundo foi nomeado secretário da Presidência da Província do Rio de Janeiro, que ocupou até a derrubada do Governo Imperial, pelos militares, em novembro daquele ano. Então, o governo federal nomeou-o juiz de direito da comarca de Santa Isabel, São Gonçalo do Sapucaí, Minas Gerais.
Enfermo dos olhos, em agosto de 1891, Raimundo se dirigiu ao Rio de Janeiro, e lá permaneceu por 3 meses. Aproveitou este tempo na capital federal e publicou seu quarto livro, Aleluias. A obra, porém, não entusiasmou o meio literário. Jornalistas, críticos e escritores quase nada disseram do mais recente cometimento do poeta.
Em 1892, Raimundo é nomeado diretor da Secretaria de Finanças do Estado de Minas Gerais, na então capital Ouro Preto. E em dezembro daquele ano foi criada a Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, em Ouro Preto, e Raimundo se tornou um de seus educadores, primeiro como professor substituto, e, em seguida, passou a professor catedrático de Direito Criminal. É nesta época que escreve um longo artigo sobre antiguidades romanas, que traz um denso e bem fundamentado apanhado sobre a história da cultura latina e suas instituições. O ensaio, porém, não foi concluído. Também foi incumbido de escrever uma memória histórica da Faculdade Livre de Direito, que compreendeu o período letivo de 1894 a 1895, e saiu publicada no segundo número da Revista da Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais.
Assoberbado, queixava-se à família e aos amigos de haver abandonado a lida poética. Eram seis horas diárias de trabalho na Secretaria de Finanças, sem descanso e sem férias, as aulas na Faculdade, os estudos de Direito. Dedicava-se, então e por força das circunstâncias, à elaboração da prosa jurídica. Publicava versos, sim, mas somente os antigos, corrigidos, alguns de ocasião e os traduzidos.
O poeta tinha saúde frágil e adoece de neurastenia, quando deixa a capital dos mineiros em direção a Fortaleza, em busca de cura. Lá, encontra-se com diversos escritores, e firma algumas amizades de que jamais se esqueceria. Retornou ao Rio, em setembro de 1894. Em janeiro de 1895, Raimundo recebe o duro golpe da notícia do falecimento de seu pai, José da Mota de Azevedo Correia, na Corte.
Os ares da capital lhe fariam muito bem. Seu espírito fechado, macambúzio, concentrado em excesso se transformava em centros mais movimentados. Apreciava muitíssimo a companhia dos poucos e sinceros amigos, as conversas intermináveis nos cafés da cidade, em que se falava de literatura, recitava poemas seus e de outros, contava-se anedotas e casos. Nesses momentos de agradável irmandade, com velhos e queridos companheiros, nada tinha daquele sujeito esquisito e calado, cigarro entre os dedos, a fumar desesperadamente. Era outro homem. Sociável, falante, descontraído, espirituoso.
Na sede da Revista Brasileira, ele se encontrava com os escritores mais destacados do país, que haviam recentemente fundado a Academia Brasileira de Letras. E na última sessão em que se tratou da efetivação da ABL, no dia 28 de janeiro de 1897, fizeram-se presentes: Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Inglês de Sousa, Rodrigo Otávio, Silva Ramos, Escragnolle Taunay, Olavo Bilac, Lúcio de Mendonça, José Veríssimo, Teixeira de Melo, Graça Aranha, Artur Azevedo, Pedro Rabelo, Guimarães Passos, Araripe Júnior e Medeiros e Albuquerque.
Nessa mesma reunião foram eleitos os dez acadêmicos restantes: Aluísio Azevedo, Raimundo Correia, Magalhães de Azevedo, Eduardo Prado, Barão de Loreto, Clóvis Beviláqua, Oliveira Lima, Domício da Gama, Salvador de Mendonça e Luís Guimarães Júnior. E, então, se deu por fundada a Academia Brasileira de Letras. A 20 de julho foi solenemente instalada, em sessão presidida por Machado de Assis, nas dependências do edifício Pedagogium, na qual a ABL funcionaria por muitos anos.
Em 1897, Raimundo deixa o país para prestar serviços em Lisboa, no cargo de 2º. Secretário da Legação Brasileira. Foi trabalhar com Assis Brasil, seu velho amigo de faculdade, nomeado Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário. No ano seguinte, resolveu publicar Poesias, em Lisboa, que contou com o prólogo assinado pelo escritor português João Câmara, e teve a revisão de Assis Brasil. O livro traz 100 poesias, quase todas publicadas em outros livros, excetuando-se as que constam de os Primeiros sonhos, sua obra inaugural.
Seu cargo, na Legação em Lisboa, foi extinto, volta ao Rio de Janeiro em 1898, trazendo na mala um sério dilema a resolver: estava desempregado. Esperava um posto na magistratura. Passam-se meses. E só conseguiu emprego no ano seguinte, quando foi nomeado vice-diretor do recém-criado Ginásio Fluminense, em Petrópolis. E em outubro de 1903, ele assume o cargo de pretor do Distrito Federal. Ao sair de Petrópolis, retornava à magistratura, após afastamento de mais de dez anos. Em janeiro de 1907, o poeta e magistrado foi nomeado juiz de direito da 2.ª Vara Criminal.
Naqueles anos, o vate andava melancólico, irritado. O número crescente de processos, de audiências e julgamentos tomavam tempo demais, deixando-o inquieto, perturbado. O poeta não mais criava. Além disso, a saúde delicada de Raimundo preocupava a família. Aqui e ali era acometido de alguma doença que o inabilitava por dias.
A família, então, decidiu partir para a Europa, no navio Amazonas, em maio de 1911, em busca de cura para o marido e pai carinhoso. Deixava o país em direção a Paris, adoecido pelo acúmulo de ureia no sangue. Mas ele estava não só doente do corpo, seu espírito andava flagelado. Viajou à cidade de Émile Zola desiludido de tudo, a alma amarga de pessimismo e melancolia, e com o sobrepeso das crises de uremia a castigá-lo sem piedade.
O tratamento avançava, enquanto aumentava a confiança de que logo voltaria ao Brasil. Passeava pela cidade para se distrair, sempre acompanhado da esposa e das três filhas: Lavínia, Stela e Alexandrina. Foi a Lausanne, na Suíça, à procura de tratamento mais eficaz, e de lá retornara melhor, aumentando as esperanças de plena recuperação
Mas a doença inclemente não dava trégua, e, dois dias depois de voltar da Suíça, os olhos do poeta fecharam de vez, às 23 h do dia 13 de setembro de 1911. Morreu reclinado no ombro de sua Zinha, a companheira amantíssima que estivera a seu lado até o último suspiro. Na manhã do dia seguinte, o corpo foi trasladado para a Église Saint-Augustin, e lá permaneceu até o dia 20 de setembro. Neste dia rezou-se missa de corpo presente, e em seguida o corpo desceu à sepultura no Cemitério de Saint-Ouen.
Os jornais de todas as regiões de nosso país repercutiram a notícia da morte do poeta de Versos e versões, prestando homenagens ao artista e juiz. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal renderam-lhe tributos, e falaram em nome das casas legislativas os deputados Augusto Lima e Rodolfo Paixão.
Os seus restos mortais permaneceram na Cidade das Luzes até 1920, quando foram trasladados para o Brasil por iniciativa da Academia Brasileira de Letras, e depositados em jazigo, no Cemitério de São Francisco Xavier, Rio de Janeiro.
Raimundo nunca foi homem de posses. Viveu de seu trabalho, mas deixou um gigantesco patrimônio: a honradez de seus méritos de homem da Justiça e a riqueza de seus versos.
Ao se encerrar o ligeiro apanhado da vida e obra de um dos versejadores mais brilhantes de nossa literatura, trago à lembrança uma passagem que dá uma pálida ideia de que matéria foi feito o escritor de que estivemos falando. Quando Raimundo Correia publicou, em Lisboa, a 2.ª edição das Poesias, em 1906, aplicou-lhe algumas correções, burilando, com cuidado, as imperfeições que mais o incomodavam. Fez, como assinalou Valdir Ribeiro do Val, o papel de crítico literário de sua própria produção. Por essa, e por outras de mesma importância, é que se pode dimensionar a sua consciência de engendrador refinado de versos. A mudança de um pronome, de um verbo, a retirada de uma palavra, a menor alteração da forma muda a intensidade do verso, dão ritmo à estrofe, o que demonstra percepção literária no mais elevado grau.
Por aí se entende melhor o trecho poético, publicado em Versos e versões, em que Raimundo aconselha Olavo Bilac, então com 20 anos de idade: “Tu, artista, com zelo, / esmerilha e investiga”. O fragmento ilustra, em síntese exemplar, o modus como o poeta Raimundo Correia entendia o seu labor e o fruto de seu empenho literário.
Devotou-se, com todas as energias, à palavra impressa, a que se perpetua, atravessa séculos, sulcada em letra de forma e sangrada em tinta tipográfica. Nunca foi homem de improvisar palavras, quando se tratava de reproduzi-las em boa quantidade de papel. Raimundo não nascera para a palavra pouco refletida. Tinha também ojeriza de discursos longos, de preleções cansativas, assim como não gostava de falar em público, muito em razão de sua personalidade retraída e índole exigente. Talvez por isso, e por causa disso, fosse escrupuloso demais com o que escrevia para dar-se ao descuido da palavra pública engastada de última hora. Ele era obcecado pela forma perfeita, essa espécie de figura metafísica que consome todo perfeccionista.
E diferente do que muitos imaginaram, os versos nunca lhe vieram fáceis. Conta Gastão Escragnolle, em artigo intitulado “Raimundo Correia”, publicado no Jornal do Comércio, logo após a morte do poeta: “Certa vez, na rua do Ouvidor, pensando lhe ser agradável, alguém lhe observou: Ora, isso para o senhor é tão fácil como fazer versos.” Meigamente revolto, Raimundo replicou: “Fácil, fácil, quem lhe disse tal? Meu amigo está enganado, perdoe-me. O verso me custa muito a fazer.”
Raimundo esculpia os versos horas a fio com obstinada paciência. Derramava-se sobre eles devagar, polindo-os com sofrimento e pertinácia, no silencioso combate íntimo entre a ideia e a forma, até entregá-los nítidos à apreciação alheia.
13/05/2024