Já acompanhava, de longe, os estudos de Parisi sobre os sistemas complexos, não de forma específica, mas de ordem geral, filosófica. Bebo da fonte da complexidade, em Edgar Morin e Basarab Nicolescu. Ainda jovem, na casa dos vinte e poucos anos, enviei a Mandelbrot uma serie de perguntas – jamais respondidas – sobre a poética dos fractais, bela, fascinante, enamorada do infinito. Fui capturado desde então pelo complexo. Algumas dessas obsessões aparecem nos meus livros, sob a chancela de diário filosófico, em forma de fragmentos, cujos três volumes sairão reunidos, em breve, com o título de Paisagem lunar.
Disse tudo isso para mostrar a dimensão especial e limitada que me liga à moldura das pesquisas de Parisi.
Tive ocasião de conhecê-lo em Roma, quando presidente da Accademia dei Lincei. Ele e Roberto Antonelli receberam-me duas vezes, com fidalguia e compromisso institucional. Firmamos, então, um protocolo entre aquela Casa veneranda e a Academia Brasileira de Letras.
A modéstia de Parisi é traço essencial de sua personalidade. Sabe quem é, mas não faz pesar, vive em abismo, entre ensimesmado e aberto ao diálogo, bem claro e desarmado. Uma atenção flutuante, às vezes fugidia, como se estivesse e não estivesse, ao mesmo tempo, na conversa com o interlocutor, afável, translúcida. Evocou o Brasil sob duas chaves. A começar pelo forró, que estudou na teoria. E passou, para meu espanto, da teoria à prática. Fez questão de me enviar, meses depois, uma tese sobre a dança que vi em São Cristóvão. E sobretudo Guimarães Rosa. Parisi considera Grande sertão: veredas a obra-prima do século XX. Logo, passamos de Diadorim a Beatriz. Conversa que julgaria improvável, prolongada em dois almoços. Interessado por tudo, pediu-me para ver minhas notas sobre a filosofia da matemática.
Parisi foi duro com o governo brasileiro, antes mesmo dos horrores da pandemia, para depois chamá-lo segundo uma certa tipologia, que se materializou com a instalação da comissão parlamentar de inquérito no Senado brasileiro.
A contribuição de Parisi vai do mínimo ao “máximo sistemas, o trânsito da escala infinitesimal ao espaço cósmico. Não poderia ser diferente para o leitor de Riobaldo, em travessia, cujo sertão em que mergulha adere ao cosmos que ilumina o seio da palavra.
Eu estava prestes a fazer a cirurgia ocular quando mal descortinei, mergulhado na neblina dos colírios, a notícia do Nobel. Impedido de escrever, mandei-lhe um áudio cheio de entusiasmo.
Parisi é antes de tudo o sinal de que não existem duas culturas, a científica e a humanística, mas um percurso transversal e leonardiano.