“Dois elementos são essenciais à democracia:
a liberdade – para poder escolher, e
a educação – para saber escolher.”
Roquette-Pinto
Meus amigos Acadêmicos que aqui se encontram, Senhoras e Senhores. Pela programação que fizemos e que, infelizmente, como disse Nélida, vai chegando ao seu final, devo hoje abordar a temática de Os Educadores na Academia. Surpreendi-me quando esse tema me foi proposto por Nélida Piñon, mas quando comecei a desenvolvê-lo, senti que, provavelmente, há de ter sido esta a categoria mais numerosa: a dos educadores na Academia. E tive que proceder didaticamente, por isso, gostaria que compreendessem o que fiz; apartei o professor do educador. Faremos referências, conforme verão, a professores que, como tal, se apresentaram ao longo da vida, mas tivemos muitos outros, para além da condição de professor, que foram educadores, estes, portanto, mais numerosos.
Nesta soma admirável de educadores e professores, possivelmente, tivemos mais de 23% do total de todos os 252 acadêmicos que por aqui passaram em 100 anos. Então, estamos falando a respeito de uma quarta parte dos acadêmicos da Casa de Machado de Assis.
I
Quando Rachel de Queiroz escreveu o seu antológico O quinze, no Ceará, tinha apenas dezenove anos de idade. Profissão: professora primária. Depois, tornou-se uma das figuras mais importantes das letras brasileiras, e se não exerceu mais o magistério, certamente, manteve a condição de educadora, mostrando ao país as agruras do seu valente e sofrido Nordeste.
Josué Montello é um dos nossos maiores romancistas de todos os tempos. O êxito vertiginoso do seu Memórias póstumas de Machado de Assis apenas comprova o que é sabido. Mas o começo de sua vida profissional no Rio, nos idos de 1938, fez-se a partir da aprovação no concurso para técnico de educação do MEC, quando passou com brilho pela banca formada por Fernando de Azevedo, Almeida Júnior e Lourenço Filho. Escreveu sobre o sentido educativo da Arte Dramática, disputando com cerca de quatrocentos candidatos. Lecionou Administração de Bibliotecas e Teoria da Literatura no Colégio Pedro II, além de ter exercido uma administração revolucionária na Biblioteca Nacional. E aqui mesmo, na Academia Brasileira de Letras, é evidente que, além de ter reformado o seu Regimento - com a ajuda de eminentes figuras, como o jurista Evaristo de Moraes Filho, que aqui se encontra - ele também devolveu à Casa o Petit Trianon, a Casa de Machado de Assis, propriamente dita, na sua condição de palácio que, de uma certa forma, havia se esgarçado ao longo do tempo.
Categoria predominante dos cem anos da Academia Brasileira de Letras, com 23 por cento do total dos 252 imortais que por aqui passaram, os educadores tiveram a inspirá-los o exemplo do nosso primeiro presidente. Responsável pela abertura de um novo caminho para a cultura brasileira, Machado de Assis manifestou um nítido olhar pedagógico, que se pode expressar pela preocupação, cristalizada na ABL, de valorizar a língua e a literatura do nosso país.
Tivemos grandes educadores, até mesmo na relação de patronos, como foi o caso do professor Tobias Barreto, na Cadeira 38, e “quase acadêmicos” – eu fiz questão de falar a respeito deles – dos quais choramos a perda antecipada. É o caso de Anísio Teixeira. Preparando-se para uma eleição certa, ele que foi o grande filósofo da Educação brasileira, vitimou-se na visita ao inesquecível Aurélio Buarque de Holanda. Como sabem, depois da visita, ele desapareceu por 48 horas. A família, aflitíssima, não conseguia encontrá-lo, e depois de buscas incríveis e devido ao mau cheiro exalado no elevador do edifício de Aurélio Buarque de Holanda, descobriu-se que o nosso grande Anísio Teixeira, ao abrir a porta do elevador, desabara lá de cima, morrendo de forma trágica.
Nós o consideramos como se pertencesse ao nosso convívio. Ele teria sido eleito praticamente por unanimidade. Muitas de suas idéias constituem fontes perenes de inspiração para os que procuram seguir-lhe os passos.
Professor, mestre ou educador? Hoje, a terminologia deixou um pouco de ter sentido. Com a evolução da sociedade, da informação, e com a presença extraordinariamente rica do computador no processo ensino/aprendizagem, a palavra orientador ou conselheiro se aplica com mais propriedade, enriquecendo o raciocínio de que os limites entre uns e outros tornaram-se muito tênues, sendo possível abrigá-los numa só e fascinante categoria. A nossa preferência é pela expressão educadores, com a qual passaram à História e enobreceram a sua presença na Academia Brasileira de Letras.
II
Num século de vida fecunda, a Academia pôde testemunhar a existência de diversos discursos pedagógicos, acompanhando a evolução do nosso processo educacional. É claro que o Brasil de hoje é muito mais próspero do que aquele do final do século passado, quando o maior problema da Educação talvez fosse o excessivo número de analfabetos.
A República dava os seus primeiros passos, havia fracassado a tentativa de institucionalização do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, ocupado por Benjamin Constant Botelho de Magalhães, passando-se a gestão educativa para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o que hoje se interpreta como uma quase heresia administrativa. Aquela primeira experiência de Benjamin Constant foi sob inspiração do ideal positivista.
O discurso pedagógico do início do século pode ser resumido pelos artigos do acadêmico Olavo Bilac na Gazeta de Notícias. Fanatizado pela causa do ensino, como afirmou Wilson Martins – que nós, outro dia, homenageamos aqui – a obsessão cívica de Bilac ia desde o combate ao analfabetismo até a insistência em favor do ensino obrigatório e sua expansão, passando pela necessidade de melhores obras didáticas, destinadas ao então ensino primário. Vejam há quantos anos já se falava no que hoje se repete.
Mas Bilac, que substituiu Machado de Assis como cronista da Gazeta de Notícias, foi também um homem de muitas campanhas. Em 1884, criticava a prostituição infantil, eu repito, 1894, a existência de um número considerável de meninos de rua – vejam como são recorrentes os temas – e o lamentável episódio da Revolta da Vacina, estimulada por políticos oportunistas, que viam nisso uma ofensa à honestidade das mulheres. A presença de Bilac na cena do civismo pode ser equiparada ao clássico Por que me ufano do meu país, escrito por Afonso Celso, o qual despertou durante muitos anos, no espírito do povo brasileiro, um saudável sentimento de amor à pátria. Por que levar esse movimento ao ridículo? Foi um sinal dos tempos – e como tal deve ser respeitado.
Tivemos e temos os professores de sala de aula, como Abgar Renault, Fernando de Azevedo, Álvaro Lins, Afrânio Peixoto, Heráclito Graça (com o seu histórico Fatos da linguagem), Afonso Arinos, Coelho Neto, Américo Lacombe, Carneiro Leão (Administração Escolar), Clementino Fraga, Múcio Leão (a quem assisti dando aula no Curso de Comunicação da Faculdade Nacional de Filosofia), Antônio Austregésilo, Pedro Calmon, Miguel Reale, Evaristo de Moraes Filho, Eduardo Portella, Nélida Piñon (professora da Universidade da Flórida), Alberto Venancio Filho, Celso Cunha, Ivo Pitanguy, Marcos Almir Madeira, Tarcísio Padilha, João de Scantimburgo (professor da UNESP e diretor, por mais de dez anos, da Fundação Armando Álvares Penteado, de São Paulo), Afrânio Coutinho, Candido Mendes, Carlos Chagas Filho, Oscar Dias Corrêa (meu colega no Conselho Universitário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Aurélio Buarque de Holanda, Silva Ramos, Sílvio Romero, Celso Furtado (professor da Sorbonne}, e o Pe. Fernando Bastos de Ávila (que agora volta à PUC do Rio de Janeiro, depois de tomar posse, para alegria nossa, também aqui na Casa de Machado de Assis), Sábato Magaldi (vai ser lembrado daqui a pouco como educador), Manuel Bandeira (Literatura Hispano-Americana) e Antonio Olinto (Latim, Português e Literatura).
A trajetória da Academia registra, enfaticamente, a presença de um grande número de educadores, personalidades que contribuíram para a nossa história, como Afonso Taunay, Silva Melo, Alceu Amoroso Lima, Clóvis Beviláqua, Pedro Lessa, Darcy Ribeiro, Deolindo Couto, Euclides da Cunha, Cyro dos Anjos (com as suas oficinas literárias), Gilberto Amado, Hermes Lima, João Ribeiro, Genolino Amado, Joracy Camargo, Joaquim Nabuco (autor do célebre Um estadista do Império), José Honório Rodrigues, Luís Viana Filho, Mário Palmério (reitor de uma Universidade), Miguel Couto, Oliveira Lima, Dom Marcos Barbosa (com as suas crônicas que chamo de “educativas”, durante tantos anos, na Rádio Jornal do Brasil e ultimamente na Rádio Catedral), Oliveira Viana, Oswaldo Cruz, Paulo Carneiro (com as suas pesquisas sobre o curare), Peregrino Júnior, R. Magalhães Júnior (de saudosa memória, de um convívio de tantos anos e tão estreito na revista Manchete), Rocha Pombo, Ariano Suassuna, Rodolfo Garcia (com a obra sobre a história das pesquisas científicas no Brasil), Roquette-Pinto (introdutor da rádio educativa em nosso país), Rui Barbosa, Viriato Correia (professor de Arte Dramática), Vítor Viana, Xavier Marques, Sábato Magaldi e Austregésilo de Athayde (o grande mestre dos Direitos Humanos Universais).
Se fôssemos utilizar uma linguagem futebolística, diríamos que se trata de um “timaço”, imprescindível na obra de construção da cultura brasileira.
III
A educação em nosso país ensejou uma série de discursos pedagógicos, marcos de determinadas épocas diferenciadas. Assim, tivemos o primeiro e mais longo discurso dos nossos cinco séculos de existência, o dos jesuítas, garantidores da unidade da língua e da nossa integridade territorial. Depois de sua expulsão, determinada pelo Marquês de Pombal, a Educação brasileira transformou-se num caos. Embora durante o primeiro momento ainda entregue a ordens religiosas (beneditinos, franciscanos e carmelitas), ainda assim, e depois de sucessivas reformas que são do final do século XIX e começo deste século, a Educação brasileira nunca mais se aprumou com a unidade que teve durante aqueles dois séculos iniciais, quando era conduzida pelos jesuítas, e mais particularmente, pelo maior de todos os educadores, na minha opinião, que foi o padre José de Anchieta.
Quando a Academia Brasileira de Letras foi criada, em 1897, pouco depois da Proclamação da República, vivia-se uma fase extremamente confusa, nascendo o novo século sob a égide de sucessivas reformas, como as de Benjamin Constant, Epitácio Pessoa, Rivadávia Correia, Carlos Maximiliano e Rocha Vaz. Somente tivemos um discurso pedagógico mais consistente com o inquérito de Fernando de Azevedo para o Estado de S. Paulo, em 1935, e depois o início do primeiro Governo Vargas, em 1930.
Grandes educadores brasileiros reuniram-se muitas vezes para dirigir à nação o que veio a ser denominado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. A Professora Edília Coelho Garcia, que aqui se encontra, e que é presidente da Associação Brasileira de Educação, sempre se refere a esse documento. Ele foi assinado por diversas personalidades, muitas das quais pertencentes à Academia, conforme se pode depreender da seguinte e histórica relação: Fernando de Azevedo (que foi o redator), Afrânio Peixoto, Sampaio Dória, Anísio Teixeira, Manuel Lourenço Filho, Roquette-Pinto, J.G. Frota Pessoa, Júlio Mesquita Filho, Raul Briquet, Mário Casasanta (que foi o grande nome da educação mineira naquela época), Carlos Delgado de Carvalho, Antônio Ferreira de Almeida, J.P. Fontenele, Roldão Lopes de Barros, Noemi da Silveira, Hermes Lima, Atílio Viváqua, Francisco Venancio Filho (pai do nosso acadêmico Alberto Venancio Filho), Paulo Maranhão, Cecília Meireles, Edgard Sussekind de Mendonça, Amanda Álvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nóbrega da Cunha, Pascoal Leme (infelizmente falecido há tão pouco tempo) e Raul Gomes. Um pugilo de vinte e seis educadores de escol que, em 1932, retomando o que Miguel Couto dissera em 1927, assinalava de forma objetiva:
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da Educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia, nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa, que são os fatores fundamentais no acréscimo de riqueza de uma sociedade.
Se aplicássemos isto à realidade de hoje, ainda assim permaneceria inteiramente válido.
No documento foram abordadas questões como laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e co-educação. Conceituava-se também o que seria uma Universidade moderna e abordava-se, talvez, a parte mais importante do Manifesto: a formação de professores, tudo com vistas a um plano de reconstrução nacional.
Pode-se inferir, sem exagero, que todas essas idéias fermentaram nas sessões da Casa de Machado de Assis. Os primeiros frutos resultantes do Manifesto surgiram logo depois da sua enunciação, sobretudo nas reformas do ensino do Distrito Federal, durante a administração de Pedro Ernesto Batista, que contou com o precioso auxílio de Anísio Teixeira e, em 1934 e em 1935, na fundação da Universidade de São Paulo (tendo por fulcro a Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras e com a grande contribuição de Júlio de Mesquita Filho) e da Universidade do Distrito Federal, respectivamente.
Passados sessenta e cinco anos, como afirma o Acadêmico Alberto Venancio Filho, o documento conserva-se de uma total atualidade, e seria guia exato para a Educação brasileira reencontrar os seus verdadeiros caminhos, sobretudo na indispensável defesa da escola pública.
IV
Cabe um destaque especial na vida brasileira ao professor e imortal Fernando de Azevedo, redator do Manifesto dos Pioneiros e autor da melhor obra escrita em nossa literatura sobre a cultura brasileira, fruto de uma série de artigos publicados no jornal O Estado de S. Paulo, e que me parece ter sido o preâmbulo do Censo de 1940.
Em conseqüência de sua posição de destaque na publicação do Manifesto, foi Fernando de Azevedo convidado pelo interventor federal em São Paulo, General Waldomiro Lima, para ocupar, ainda em 1932, o cargo de diretor-geral da Instrução Pública no Estado de São Paulo. Embora adversário político do interventor, Fernando de Azevedo, aconselhado por vários amigos, aceitou o convite e dispôs-se a trabalhar com o mesmo ardor que manifestara, ao exercer cargo idêntico na capital da República. Alguns anos antes, ao concluir o inquérito sobre a educação no Estado, chegara a algumas conclusões pessimistas, logo depois, naturalmente, superadas pela sua condição de otimista:
Por mais duro e deprimente que possa parecer a muitos, não é triste dissimular a verdade incontestável de que o ensino superior em São Paulo, como em geral no Brasil, ainda não se depreendeu nem se elevou acima dos limites estreitos da preparação profissional. A escola primária e a profissional viviam divorciadas dos ideais modernos da educação.
Como resultado altamente significativo da sua passagem pela Diretoria Geral do Ensino, foi aprovado e implantado no Estado de São Paulo, em 1933, um Código de Educação.
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Como seria bom que nós, hoje, pudéssemos estar pensando num outro Código de Educação.
Para o educador mineiro que era Fernando de Azevedo (Oscar Dias Correa me fez incluir isso aqui, obrigatoriamente), a Universidade de São Paulo deveria constituir-se “na força de atração, capaz de fazer gravitar em torno dela toda a constelação cultural dos Institutos Universitários de caráter profissional, por meio da sólida preparação cultural e científica, puramente teórica, que ela ministra e que deve fundamentar e informar a especialização profissional a cargo de outros institutos”.
Segundo o exemplo de São Paulo, Pedro Ernesto, prefeito do Distrito Federal, contando com uma equipe de notáveis educadores, à cuja frente se encontrava o Professor Anísio Teixeira (mais uma vez Anísio Teixeira), aprovou o plano da criação de uma Universidade na capital do país. Pelo Decreto-Estadual no 5.511, de 4 abril de 1935, foi instituída a Universidade do Distrito Federal, da qual foi primeiro reitor o Acadêmico Afrânio Peixoto, grande professor de Medicina Legal – e grande admiração de Josué Montello.
As atividades de Fernando de Azevedo relacionadas diretamente com a Educação eram intercaladas com a produção de vários livros, de natureza histórica ou literária. Assim, ao estudo sobre a educação física seguiram-se Jardim de Salústio, No tempo de Petrônio, O segredo da Renascença e Páginas latinas. A experiência na direção do ensino no Distrito Federal foi objeto de uma publicação especial, que data de 1929, intitulada A reforma do ensino no Distrito Federal: Discursos e entrevistas.
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Em São Paulo, ainda que exercendo funções públicas de alta relevância, Fernando de Azevedo dedicara grande parte do seu tempo disponível ao desenvolvimento de estudos, dos quais resultou a publicação, em 1935, dos Princípios de sociologia e, alguns anos depois, da Sociologia educacional. Ainda nesse campo preparava ele um vocabulário técnico e crítico ao qual dera o nome, por antecipação, de Dicionário de sociologia.
O livro A cultura brasileira valeria a Fernando de Azevedo a concessão do Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, relativo ao ano de 1943. O autor era premiado, segundo os critérios acadêmicos, pelo conjunto da obra.
A maior parte de sua vida foi dedicada ao magistério. Aposentou-se como professor catedrático de Sociologia, da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Contava, então, quarenta e um anos de serviço. A Universidade, em reconhecimento à brilhante atuação nos vários setores em que exercera a sua atividade, concedeu-lhe o honroso título de Professor Emérito.
Seus livros revelam notável variedade de assuntos. xxx
Fernando de Azevedo dedicara seu trabalho aos professores estrangeiros da Universidade de São Paulo: P. Arbousse Bastide, C. Lévi-Strauss, Roger Bastide e Samuel H. Lowne. Reverenciava também o nome de três brasileiros ilustres, que se haviam distinguido por suas obras no campo da Sociologia: Sílvio Romero, Pontes de Miranda e Delgado de Carvalho.
A Academia Brasileira de Letras – “ainda que tarde”, como no verso virgiliano – elegeu-o seu membro, em 10 de agosto de 1967, para ocupar a Cadeira no 14, vaga pelo falecimento de outro ilustre educador, o professor pernambucano Antônio Carneiro Leão. A posse na Casa de Machado de Assis ocorreu no dia 24 de setembro do ano seguinte, cabendo ao escritor paulista Cassiano Ricardo fazer o discurso de recepção do novo acadêmico. Por deficiência acentuada de visão, o discurso de posse de Fernando de Azevedo foi lido pelo Professor Pedro Calmon, antigo reitor da Universidade do Brasil.
V
A Cadeira no 17, hoje ocupada pelo filólogo Antonio Houaiss, organizador do nosso Vocabulário ortográfico da língua portuguesa, é considerada a cadeira dos professores. Teve por fundador Sílvio Romero, sendo sucessores: Osório Duque-Estrada, Roquette-Pinto, Álvaro Lins e Antonio Houaiss, este eleito em 1o de abril de 1971.
Com Houaiss, dicionarista exemplar, queremos homenagear alguns acadêmicos que se tornaram grandes defensores da língua portuguesa, como ocorreu com Heráclito Graça, tio de Graça Aranha, ao lançar o seu libelo, representado pelo livro Fatos da linguagem, em 1904. Além dele, Laudelino Freire, sucessor de Rui Barbosa, foi catedrático do Colégio Militar e fundou a Revista da Língua Portuguesa, além de ter sido autor do grande e novíssimo Dicionário de língua portuguesa, publicação póstuma, em cinco volumes. Foi um dos maiores defensores da simplificação da ortografia no Brasil.
Álvaro Lins foi professor de Literatura no Colégio Pedro II, escola-padrão que abrigou outros nomes de relevo, como o romancista Coelho Neto, Ramiz Galvão e o nosso inesquecível confrade Celso Cunha, de tão fugaz presença na Casa de Machado de Assis. A sua gramática é uma das nossas maiores preciosidades culturais.
Sílvio Romero também era do Colégio Pedro II, assim como Silva Ramos, de quem se conta uma história, no mínimo pitoresca: num exame, a aluna pergunta a Silva Ramos:
- Professor, como é que se coloca esse pronome?
- Minha filha, eu não coloco nada, o pronome é que se coloca!
Num trabalho assim resumido, é claro que não se pode ser exaustivo, mas é essencial lembrar os esforços do poeta Abgar Renault, com o qual tivemos o privilégio do convívio, em prol do nosso idioma. Catedrático do Pedro II e ex-membro do Conselho Federal de Educação, em várias oportunidades lançou verdadeiros libelos em defesa da língua portuguesa. Não tinha muita paciência com precários oradores que agrediam o vernáculo. De uma feita, juntos, a pedido de Austregésilo de Athayde, fomos representar a Academia numa solenidade no Clube Sírio Libanês, na Rua Marquês de Olinda, Botafogo. Era a formatura de uma turma de comunicadores sociais. O orador, que era um bacharel, agredia tanto e de tal maneira o nosso idioma, que Abgar Renault começou a ficar nervoso, e ele batia na mesa, dizendo:
- Não é possível! Não é possível! - e, na terceira vez, ele quase gritou: - Eu vou embora!
Eu falei: - Não faça isso, professor, o senhor vai provocar um escândalo aqui. Ele respondeu: - Eu não posso, os meus ouvidos não merecem estar ouvindo essas barbaridades.
Ele queria ir embora e, no final, completou: - Mas que absurdo! Esse homem é um criminoso”
Infelizmente, essas coisas continuam acontecendo.
Afrânio Coutinho, talvez o maior dos nossos críticos literários, levou o seu amor à nossa língua a tal ponto que chegou a submeter ao Ministério da Educação (na gestão da Doutora Esther de Figueiredo Ferraz) uma proposta para que abandonássemos a expressão “língua portuguesa”, trocando-a por “língua brasileira”. Até hoje, não se conforma que isso não tenha sido feito.
Orador admirável, escritor primoroso, Austregésilo de Athayde merece uma referência especial. Durante os trinta e quatro anos em que presidiu a Academia, sempre foi uma candente palavra de defesa dos nossos direitos e dos nossos valores, a partir do cultivo da língua, que ele prezava acima de tudo. Não seria exagero atribuir-lhe grande parcela de responsabilidade pelo atual quadro de valorização da leitura em nosso país, pois o autor de Vana verba trabalhou muito nesse sentido, assim como foi o principal redator da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Mas não se completaria o quadro se não fizéssemos menção a outros dois dos nossos “quase acadêmicos”. Antenor Nascentes foi o autor do Dicionário da Academia Brasileira de Letras, com os seus 72 mil verbetes, até hoje um dicionário atual e necessário. Não foi eleito para a Casa de Machado de Assis, mas nela sempre permaneceu, dada a fulgurante presença do seu competente trabalho. O mesmo pode ser dito em relação à “quase acadêmica” Cecília Meireles, grande poeta e redatora da coluna de educação do Diário de Notícias, durante muitos anos. Se viva estivesse, posso asseverar, estaria com amplos méritos nos quadros da Academia Brasileira de Letras.
VI
Nossos educadores não limitaram sua ação ao território brasileiro. Brilharam também no exterior, como aconteceu na representação do Brasil junto à UNESCO. Paulo Carneiro lá esteve durante muitos anos; depois, o premiado cientista Carlos Chagas Filho, fundador do Instituto de Biofísica da UFRJ; o romancista Josué Montello, que lá visitei algumas vezes; e o crítico literário José Guilherme Merquior. Em todos eles, a mesma devoção à causa da cultura brasileira.
Citando a UNESCO, seria pertinente recordar a brilhante passagem do Acadêmico Eduardo Portella por seus quadros diretivos. Foi elemento de proa, no segmento da Educação, aproximando a entidade das jovens nações africanas. Portella exerceu o seu mandato, fiel ao que dele disse Alceu Amoroso Lima: “Trata-se da maior figura da crítica literária brasileira neo-modernista.” E mais recentemente, em outubro de 97, foi eleito por unanimidade para a presidência da Assembléia Geral da UNESCO, num feito de extraordinária expressão política para o nosso país.
*
Tivemos grandes professores de Direito, confundindo em nosso espírito os conceitos de bacharel, professor e jurista, mas os mestres povoaram a nossa Casa: Rui Barbosa, Lafayette Pereira, Clóvis Beviláqua, Pedro Lessa, Pontes de Miranda e Afonso Arinos de Melo Franco, para só citar os que se foram e que deixaram marcas profundas na cultura brasileira.
Uma das maiores emoções que vivi na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, da qual fui professor por trinta e sete anos, foi o discurso de despedida do mestre Afonso Arinos de Melo Franco, ao completar 70 anos, e ser obrigado, compulsoriamente, a deixar a cátedra. Foram palavras de amor ao magistério, de respeito aos estudantes, de crença no futuro. Enfim, uma lição que talvez se equipare, a meu juízo, à clássica Oração aos moços, de Rui Barbosa.
Podemos lembrar ainda figuras de vulto, como Gilberto Amado, professor na Faculdade Nacional de Direito; Hermes Lima, que lecionava Introdução à Ciência do Direito na mesma instituição; e mais Vítor Viana. A eles se somam figuras de relevo, hoje em nosso convívio, felizmente, como Evaristo de Moraes Filho, Oscar Dias Corrêa, Candido Mendes, Miguel Reale e Alberto Venancio Filho.
VIII
Outra área muito rica na Academia é a que se refere ao magistério na área da Medicina. Afrânio Peixoto, por exemplo, foi um pioneiro na Medicina Legal, tendo deixado também um trabalho notável sobre a Educação brasileira.
Nomes nacionais ganharam merecida projeção, como Clementino Fraga, Antônio Austregésilo (tio do ex-presidente Austregésilo de Athayde), Deolindo Couto (figura emblemática da Neurologia brasileira, ex-presidente do Conselho Federal de Educação), Aloísio de Castro, Francisco de Castro (chamado de “o divino mestre”, grande reformador da Medicina brasileira), Maurício de Medeiros, Oswaldo Cruz (responsável pela implantação dos serviços sanitários no Brasil, missão altamente pedagógica), Peregrino Júnior (professor da UFRJ), e Ivo Pitanguy (o maior nome do mundo em matéria de cirurgia reparadora). No bojo desse elenco, pelo menos uma curiosidade: Afrânio Coutinho formou-se em Medicina, mas jamais exerceu a profissão, preferiu mesmo a crítica literária, onde é expoente.
Tivemos muitos historiadores, como Afonso Taunay, Américo Jacobina Lacombe, Euclides da Cunha, João Ribeiro, Joaquim Nabuco, José Honório Rodrigues, Luiz Viana Filho (com as suas alentadas biografias e o estudo sobre o negro na Bahia), Oliveira Lima, Oliveira Viana, Rocha Pombo, Rodolfo Garcia (com a sua História das pesquisas científicas no Brasil) e o incomparável Pedro Calmon, grande orador, autor de uma das nossas melhores coleções sobre História do Brasil (editada pela José Olympio), reitor magnífico da antiga Universidade do Brasil e presidente, durante muitos anos, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
IX
A vocação de apreço à Educação, no caso da ABL, veio dos primórdios. Mais precisamente, de alguns dos seus fundadores. O sergipano Tobias Barreto de Menezes, mestre da oratória, professor emérito, destacou-se na cultura brasileira com uma notável particularidade: morreu sem jamais ter pisado na capital do Império.
Tivemos o Visconde de Taunay, engenheiro militar, professor, político, historiador, sociólogo, romancista e memorialista, autor de A retirada da Laguna; o educador paraense José Veríssimo, fundador da Cadeira no 18, que escolheu para patrono o escritor maranhense João Francisco Lisboa, e que fez muito sucesso com o livro A educação nacional; Carlos de Laet, jornalista, professor e poeta, diretor do Internato Pedro II; Garcia Redondo, autor de Viagens pelo país da ternura, e que foi engenheiro, jornalista, professor, contista e teatrólogo; Inglês de Sousa, advogado, professor, jornalista, contista e romancista, autor de um dicionário; Medeiros e Albuquerque, pernambucano, que foi jornalista, professor, político, contista, poeta, orador, romancista, teatrólogo, ensaísta e memorialista. Embora não fosse médico, teve a glória de implantar os testes no Brasil. No período de 1930 a 1934, empenhou-se, vivamente, nos debates em torno da simplificação de ortografia.
Como se depreende, o compromisso da Academia Brasileira de Letras com a Educação vem de suas origens, pela ação e pela inspiração de muitos dos seus fundadores.
Um pormenor, sobre o qual gostaríamos de fazer uma referência, é relativo às atividades profissionais dos fundadores mencionados. Nenhum deles exerceu só uma profissão. Vivíamos um período de graves dificuldades econômicas, no final do século XIX e início do século XX, razão que levava os nossos melhores quadros de intelectuais a exercer essas múltiplas atividades. Os estrangeiros, quando se deparam com essa multiplicidade de profissões, ou de atividades de cada um de nós, se assustam, porque eles não acreditam que seja possível, com talento, fazer tanta coisa diversificada. Só depois, quando penetram bem na biografia desses cidadãos, acabavam entendendo que ela era vital e concluem que é isso mesmo: os trópicos nos têm ajudado, felizmente, nesse sentido.
X
Há ainda os que fizeram da Educação a sua própria vida, como Carneiro Leão, Fernando de Azevedo, Roquette-Pinto (pioneiro na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, na Rádio Difusora Educativa e no Instituto Nacional do Cinema Educativo), Pedro Calmon, Deolindo Couto, Mário Palmério (criador de uma Universidade em Uberaba, Minas Gerais), Carlos Chagas Filho, Miguel Reale (ex-reitor da USP), Candido Mendes, Eduardo Portella, Celso Cunha, Oscar Dias Corrêa (Secretário de Educação no Governo Magalhães Pinto, em 1961, construindo, em tempo recorde, no Estado de Minas Gerais, quinhentos e doze grupos escolares). Além destes, Tarcísio Padilha, que foi meu professor duas vezes; Pe. Fernando Bastos de Ávila, que agora volta à PUC; Darcy Ribeiro e Geraldo França de Lima. Geraldo lecionou durante cerca de cinqüenta anos, passando pelo Ginásio Barbacena, Colégio Pedro II e a SESAT no Rio de Janeiro. Educadores acima de tudo, todos eles têm obras notáveis, a serem consideradas em suas respectivas bibliografias.
Quatro acadêmicos foram ministros da Educação: Pedro Calmon, Candido Mota Filho, Abgar Renault e Darcy Ribeiro.
Dizia Darcy Ribeiro, que foi antropólogo e etnólogo: “Nosso desenvolvimento não é uma anormalidade, é uma enfermidade. Precisa de tratamento, e, aliás, tem cura.” Homem irrequieto, criativo, teve uma passagem infelizmente muito rápida pela ABL, pois custou a render-se aos nossos convites. Até morrer, em 1997, realizou uma luminosa obra literária, com destaque para Maíra. Foi uma peça essencial nas complicadas engrenagens da educação brasileira deste século. Um dos fundadores da Universidade de Brasília, o mineiro de Montes Claros aliou-se ao arquiteto Oscar Niemeyer, a fim de desenvolver um revolucionário projeto arquitetônico para a construção de escolas no Rio. Vieram os discutidos CIEPs, hoje, em número superior a trezentos, com a proposta neles embutida de alcançar o ideal do tempo integral para as nossas crianças.
Já com a saúde abalada, Darcy Ribeiro devotou-se à mudança da legislação pedagógica brasileira. Depois de oito anos de estudos e discussões, a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96) foi sancionada no dia 20 de dezembro de 1996. Na cerimônia, em pleno Palácio do Planalto, Na presença de Darcy Ribeiro (Darcy já numa cadeira de rodas), o Presidente Fernando Henrique Cardoso teve a delicadeza de homenagear Darcy Ribeiro, dizendo que aquela Lei, a partir daquele momento, se chamaria Lei Darcy Ribeiro.
XI
São vários os discursos pedagógicos no Brasil, mas podemos contabilizar, precisamente, sete deles, todos com a presença marcante de acadêmicos a definir-lhes os rumos e trazendo uma decisiva contribuição ao seu êxito.
O primeiro foi o dos jesuítas. O segundo foi o do caos resultante da expulsão da Companhia de Jesus do Brasil. O terceiro foi o das múltiplas reformas do início do século XX. O quarto foi o da centralização trazida pelos quinze anos da ditadura Vargas. O quinto foi o dos vinte e um anos de autoritarismo. O sexto marca o período de ruptura das estruturas vigentes, no Governo Fernando Henrique Cardoso. O sétimo discurso pedagógico é o do futuro, é o do Terceiro Milênio, a ser desenhado pela inserção do Brasil, plenamente, na Sociedade da Informação, em que vamos mesclar o computador com toda essa parafernália eletrônica extraordinária, que existe nos dias de hoje nas telecomunicações, a serviço do desenvolvimento.
É estimulante a idéia de se ter um Manifesto da Educação do Futuro – eis a idéia que deixo no espírito de todos os participantes do nosso Ciclo, para que os acadêmicos educadores possam refletir sobre a posição do Brasil no Terceiro Milênio, com as amplas perspectivas que se abrem para que seja, até o ano 2020, a quarta ou quinta nação do mundo, em termos de Produto Interno Bruto, como preconiza, não algum instituto brasileiro, mas o Banco Mundial.
Nada será viável, no entanto, se não se der a prioridade devida à Educação, para que seja ela totalmente reformulada, com o pleno emprego de tecnologias agora colocadas à disposição das escolas. Computadores, vídeos, Internet, satélites domésticos de telecomunicações, televisões digitais, CD-ROM – tudo se transforma em preciosos elementos auxiliares da relação ensino/aprendizagem, mas com um pormenor essencial e definitivo: a função do professor será cada vez mais importante, como orientador ou conselheiro, para que alcancemos um ensino de qualidade, que nos irá retirar do atraso. E nisso, para a glória maior da Casa de Machado de Assis, os exemplos aqui vividos de amor à causa educacional são eternos, em sua expressiva simbologia.
Muito obrigado.