Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Francisco e a conversão da Igreja

Francisco e a conversão da Igreja

 

A indicação do Papa Francisco como o “Homem do Ano”, capa da Time, já desperta, de logo, a resistência frente a tal consenso. I mediatamente, o Papa foi além das discussões genéricas sobre a justiça social e entrou a fundo na condenação do nosso regime econômico para o futuro, provocando a violentíssima reação do conservadorismo americano a partir dos grupos ultradireitistas do Tea Party. Francisco acolhe o marxismo – dizem – e vai além da pastoral, para comprometer-se com a esqueda na condução do desenvolvimento contemporâneo.

Deparamos, agora, a mais nítida condenação dos sistemas econômicos contemporâneos, trazendo a justiça social para o âmago de seu anúncio. Haveria de se falar ao contrário do Pontífices anteriores, numa crítica intrínseca do capitalismo como um sistema “de exclusão e de desigualdade social”. Vai-se, aí, ao contraponto exprobratório do socialismo, na tradição do século até agora.

As surpresas do pontificado de Francisco continuam, agora no próprio estilo de sua comunicação. Exorta, mais do que determina, como associa a mensagem à alegria do Evangelho. É o desarme dos dixit para a convocatória à assimilação dos novos nortes, em toda a Igreja. Ao mesmo tempo, define barreiras intransgredíveis nesta nova vaga de mudanças, como o aborto ou a ordenação de mulheres. De logo, levanta-se a interrogação quanto à força dessas decisões, diante dos novos colegiados que suscitou, para a toma da palavra eclesial no seu pontificado.

Na pauta das mudanças, “com prudência e audácia”, o Papa propõe-se à abertura a sugestões buscadas no nível das paróquias, frente à velha Igreja centralizada. Identicamente, abre, por inteiro, o caminho ecumênico, limitado por Bento XVI. Todas as portas estão agora abertas ao diálogo com os Islã. O Pontífice insiste em não se tratar apenas de um imperativo para a paz mundial, mas de um dever de reconhecimento, a se querer afastar também o pesadelo de nosso tempo de uma possível “guerra de religiões”.

A “exortação” de Francisco exige, em toda a sua abertura, o exercício, ímpar nestes últimos séculos, de uma autorreflexão sobre a fé. E faz desse ato o primeiro missionarismo diante das crenças confortavelmente instaladas. Na sequência do que já verberara como a “lepra da Cúria”, ele denuncia, na Igreja, o “elitismo narcisista e autoritário”, tal como não admite sacerdotes com “cara de funeral, tristes, desanimados, impacientes e ansiosos”.

O Pontífice ecoa, com toda a força da chamada de João XXIII, o Concílio do Vaticano II, para além dos cuidados de João Paulo II ou Bento XVI. E um século após todas as condenações de Pio IX e PIO X contra a modernidade, Francisco traz, irreversivelmente, a Igreja para o seio de nosso tempo.

Jornal do Commercio – RJ, 20/12/2013