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Colapso da Primavera Árabe e "guerra de religiões"

 

Agudizou-se no ano findo o impacto gerado pelo colapso da dita “Primavera Árabe”, marcada pelo desmonte democrático, tão esperado no Oriente Médio após a queda das ditaduras do após-guerra de 1945, no Egito, na Tunísia ou na Líbia. A queda do presidente Mursi, no Cairo, primeiro governante eleito, evidencia a rotina do estado de direito no país. Os militares golpistas se justificaram com o perigo de que o regime derrubado abria o caminho para o poder religioso, como pregaria a “Fraternidade Muçulmana”. Depara-se neste breve histórico interlúdio democrático, a recuperação identitária nessas ações como advento à base de um Estado religioso islâmico. Já se abria a perspectiva, décadas antes, pelo retorno, no Irã, da Sharia, como descarte integral da prévia dominação ocidental em toda a região. Identicamente, a presente revolta das facções budistas do Miramar exarceba essa nova “guerra de religiões”, a eliminar os estratos islâmicos nesse país.

Perguntar-se-ia se, diante da emergência dessas novas reivindicações identitárias, prosperaria um diálogo mínimo, à busca da mantença de um vis-à-vis internacional. Curiosamente, a premissa democrática para essa entente desmonta-se, nesses últimos meses, pelos próprios Estados Unidos, que apoiaram a queda de Mursi e conservam sua assistência financeira ao governo militar. Os impasses da remoção de Assad, na Síria, se assentam em síndrome idêntica, de receio de as vitórias dos rebeldes trazerem uma ameaça igual à “fraternidade egípcia”.

Do outro lado do mundo, vai-se à reassociação do político com a religião dos Estados Unidos. O governo Obama confronta o partido republicano no dito “país profundo”, cada vez mais confessional e inclinado à recusa de toda migração islâmica, e mesmo à evicção muçulmana do território. Os radicalismos identitários só ampliam as manifestações do Gop (“Grand Old Party”, como também é chamado o Partido Republicano) contra os chicanos. Nesse repúdio ao espírito dos “Founding Fathers”, nos Estados Unidos, estaria o Partido Republicano investindo-se de uma pretensão étnica, associando o seu futuro aos “Whites, Alglo-Saxons and Protestants” (outra denominação para os republicanos”, no repúdio à democracia rooseveltiana? E é o rastro dessa inquietude reconstrução de etnias que aparece em iniciativa de Israel, de reeducar para o judaísmo e trazer a seu território grupos de etíopes perseguidos na sua nação. Inquieta a aparição desse perigo em governos que, não obstante a sua democracia , se afastam das raízes largas de sua vida coletiva, em benefício de sínteses artificiais, reducionistas de sua identidade. E, como seu remate, aí está, de vez, o controle do individualismo e da cidadania pela aparelhagem apolíptica , a espionagem americana, eliminando o primeiro dos direitos à diferente, que é garantia da individualidade de cada um.

Jornal do Commercio, 3/1/2014