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Francisco e o desbarato da Cúria

 

Começam as primeiras perplexidades com õ novo pontificado. Nunca, neste último século foi tão longa a demora para a nomeação do Secretário de Estado, sempre reconhecido como a segunda pessoa do Vaticano. Nem se pode dissociar, em toda essa etapa, o nome do papa do seu verdadeiro primeiro-ministro. Curiosamente, o reforço desta autoridade nasceu da reforma de Paulo VI, alterando a visão, antes colegiada, dos dicastérios, a constituir, em todo o seu poder, a Cúria Romana. Essa polarização extremou-se, justamente, no duo Ratzinger-Bertone, frente à repetida insistência do Papa renunciante de se dedicar à tarefa espiritual, senão mesmo, à vida de monge, que estaria entre as determinantes da sua renúncia. Bergoglio depara, antes de uma escolha de nomes, a mudança estrutural deste aparelho e, sobretudo, a delicada composição do cardinalato da Península, entre a Cúria e a própria e distinta hierarquia da igreja italiana.

E não por outra razão, vem de inovar, ainda, criando esta supercomissão de cardeais, de todas as regiões do globo, não só para a reforma ampla da estrutura vaticana, mas para encetar a volta prístina à colegialidade no munus pontífícos. Por força, ainda, a permanência interina de Bertone, durante a transição, só reforçou a sua posição prospectiva.

A analisar-se o dia a dia, subsequente ao anúncio de 11 de fevereiro, depara-se a pressa com que Bertone quis assentar o controle do regime emergente, determinando a mudança da presidência do IOR, e mudando os cardeais responsáveis pelo controle financeiro do Vaticano.

Toda a consciência do impasse, entre a Igreja-aparelho e a volta à Igreja-pastoral, esplende na força profética do cardeal Martini, a proclamar, antes do seu falecimento, este "atraso de dois séculos" em torno da palavra da Igreja. E aí estão os sinais da amplitude do anúncio de Bergoglio, no relance imediato do ecumenismo, deixado ao relento pelo seu antecessor, sinalizado com a ida de Bartolomeu I, Patriarca das Igrejas Ortodoxas, à posse do Papa Francisco.

Esta "desvaticanização" da Igreja, a que se refere, por exemplo, Paolo Rodari, desponta, no recado de Francisco de que, antes do Pontífice, o sucessor de S. Pedro é bispo de Roma. E, de logo, vemos o impacto desse restauro de S. João de Latrão, no centro da sua mensagem, nos dias inaugurais do novo pontificado.

Não se subestimará a força das rotinas de, talvez, a mais bem estruturada das hierarquias de poder no Ocidente. Mas a mensagem de Bergoglio já torna irrevogável o passo à frente, e o cuidado da humanidade, para além das eficiências do Estado-Vaticano e seus ministérios.

Jornal do Commercio (RJ), 19/4/2013