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No limiar da guerra de religiões

 

Vem de terminar, em Viena, o V Fórum da Aliança das Civilizações, promovido pelas Nações Unidas, para buscar a renovação do diálogo, ou do entendimento internacional, visceralmente atingido pelo 11 de setembro, pelo avanço do terrorismo e por uma eventual guerra das religiões. A conferência evitou os lugares-comuns de discursos da boa-vontade, na reiteração das intenções de abertura, e da retórica do óbvio. E, a partir, sobretudo, de reiterar-se a afirmação dos direitos humanos, na clássica previsão da concórdia, e da visão convencional do outro.  É nesta própria reciprocidade de perspectivas que se apoiou uma visão da racionalidade ocidental, que clama por um direito essencial hoje em dia, qual o da diferença, inexistente na Declaração Universal, organizada no meio do século passado. O terrorista é este personagem, hoje, congênito à pós-modernidade, enquanto quer forçar o reconhecimento do outro, e sua difícil coexistência nos conflitos culturais. Exasperam-se no horizonte próximo da “guerra de religiões”, e na continuação, depois da Al-Qaeda, do movimento do Boko Haram, na Nigéria, ou dos extremistas do Mali.

Os homens-bomba aí estão, numa ameaça generalizada e incontrolável pelos mecanismos normais de segurança contemporâneos. O que registrou, incisivamente, a conferência de Viena foi o perigo crescente destes novos fundamentalismos das coletividades regionais, ou mesmo nacionais, num paradoxo identitário dos nossos dias, que perdeu a visão do universalismo, e não encontra as pontes para a convivência com as culturas, sobretudo com a islâmica, acordada pelo terrorismo, para o confronto. É o que leva, no antigo mundo ocidental, à regressão mais rígida ao fundamentalismo, tal como evidenciam os Estados Unidos, na dramática opção entre democratas e republicanos.

A conferência recém-concluída extremou-se na busca das condições-limite para tal “reciprocidade de perspectivas”, através da proposta de uma radical hermenêutica deste vis-à-vis. Mas, sobretudo, o que se impôs foi o cânon da dimensão histórica, a tornar imperativa, quanto ao futuro da modernidade, a adoção, de vez, de uma atitude prospectiva. Não se trata mais de retomar, por exemplo, o processo das construções nacionais dos últimos séculos, permanecendo na mesma dinâmica de organização coletiva, e sua toma de consciência. Ela pode decorrer, nos quadros específicos das marginalidades sociais, de uma direta mobilização política, como evidencia, por exemplo, o Brasil. Não é outro o “povo de Lula” dos quarenta milhões de brasileiros beneficiados pelo Bolsa-Família. Sobretudo, esse novo debruçar-se sobre o processo histórico não se coaduna mais com a crença na melhoria pelo simples decorrer do dia a dia, a que respondia o cânon clássico do progresso ocidental. O desenvolvimento a que devem responder, hoje, as antigas nações coloniais envolve interações simultâneas entre os diversos padrões políticos, sociais e culturais da mudança, e, sobretudo, o entendimento de uma visão sempre agregadora do que sejam os confrontos da complexidade social crescente da pós-modernidade. O combate ao terrorismo começa a despontar, mas a guerra latente das religiões perdura, se os direitos humanos não se afirmarem como a expressão elementar da cidadania em nosso tempo.

Jornal do Commercio (RJ), 15/3/2013