O mais importante do caso Demóstenes é de ser essa a segunda cassação em 188 anos do Senado na República. É o que mostra a solidez de dois componentes da cultura política brasileira, quais o uso das clientelas políticas na representação e, ao mesmo tempo, o sentido profundamente corporativo de seu exercício. A intangibilidade dos mandatários tomou-se regra interna, contornada pelos escassíssimos casos, também, de renúncia, muitas vezes com o cálculo de pronto regresso ao mandato.
Não é pela pertinácia da cultura cívica do Congresso, nem por autocorreção que se tomaram essas iniciativas, mas, sempre, e de saída, por pressão de fora do Parlamento.
E é difícil, no caso Demóstenes, de se configurar, como estritamente criminosa, a conduta impugnada, na gama dos peculatos, ou das apropriações frontais dos dinheiros públicos. Está em causa, sim, a evidência do exercício de mandato, em função de interesses objetivos, na multiplicação de lobbies — e até de mafiosos -, que se articula com o debate macroeconômico do desenvolvimento. Veio, sobretudo, à escuta a intimidade de Demóstenes e de sua subserviência à gang do jogo. Menos, entretanto, que o favorecimento orçamentário, os préstimos do "doutor" frente ao "professor", foram à malha das nomeações, e da tripulação do funcionalismo público, a favorecer o portentoso aparelho de Cadinhos Cachoeira.
E o abate de Demóstenes sofreu, ainda, o impacto simbólico do desvestimento abrupto da pessoa, visto, na sua indiscutível eficiência legislativa, como guardião da moralidade e fiscal de seus colegas. O último discurso, ouvido, já, em silêncio de funeral, exprimiu a tragédia dos fatos consumados e clamava pelo julgamento pelo Judiciário, diante do conteúdo essencialmente político da manifestação de seus pares.Viam-se, estes, expostos à execração pela opinião pública, diante da sucessão de irregularidades do Legislativo, deixadas nos labirintos das Comissões de Inquérito e, via de regra, sufocadas nos seus plenários. Não haveria, também, como transferir-se o juízo da punição de Demóstenes, automaticamente, à sua conduta no Ministério Público.
A página virada, sim, agora, e de vez, parece ser a da conquista definitiva da votação secreta, nos casos de cassação parlamentar. E, na ribalta nacional, vamos assistir, daqui em diante, à execução sumária dos previamente condenados pela opinião pública? Ou, ainda, se manterá a intrínseca autonomia do poder representativo, como pede a maturidade democrática?
Jornal do Commercio (RJ), 20/7/2012