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A mudança, mesmo, revide à austeridade

 

A nítida aceleração histórica que vivemos nestes dias passa do confronto das crises experimentadas pelo Ocidente desde 2008 à confrontação, inclusive, do modelo capitalista, saída da trintena de ouro do último pós-guerra. E é sintomático, portanto, que a recusa ao enfrentamento vá ao exaspero das soluções fundamentalistas e malthusianas, como a despertada pelos 20% dos eleitores franceses de Marine Le Pen, armando-se para um terceiro round eleitoral nas legislativas e querendo uma mini-França, fora da Europa, com restrições à imigração e, no plano do auxílio internacional, rompendo com a economia europeia.

É, ainda, pela inviabilidade de um mero reformismo que a Grécia entra, agora, em impasse irreversível. A desestabilização econômica passa à política e à demonstração de ingovernabilidade do país, nos impasses de organização de maiorias, tamanho o conflito das opções internas - vigente o atual modelo europeu - para uma  definição emergente de políticas públicas. Num quadro global, é encorajador, ao mesmo tempo, e apontando à superação do dilema por estritas correções de rumo, que se procure uma alternativa, realmente prospectiva, à austeridade, como álibi, ainda, para a conservação, in pecto, do modelo capitalista.

A consagração de Mitt Romney como candidato do conservadorismo americano espancou o espectro fundamentalista radical, de vez, de Santorum ou Gingrich. E, finalmente, a campanha de Obama se identifica com um ir à frente - o forwards - em que ecoa o compromisso de Hollande, de há uma semana, e contra todas as prudencias de um status quo, em voltar-se para o socialismo para viabilizar a mudança no país. O que está em causa, em última instância, é a denúncia da austeridade como salva-vidas  do sistema e a decisão de rejeitá-la, frente ao imperativo da alternativa, ainda que se careça da sua formulação precisa. O que emerge, de imediato, é o quanto a crise irreversível do capitalismo implica a crise do consumismo da última trintena e a necessidade de retomar-se a presença corretora do Estado nos desequilíbrios sociais de riqueza, que criaram o relevo objetivo da injustiça coletiva da prosperidade, ferida pela crise de 2008. Há só que atentar a que o 1% mais pobre dos EUA é mais rico que 60% da presente população mundial.

A proposta dos superbarões do capitalismo americano, de ampliar o imposto sobre as grandes fortunas, no acordar tardio para um processo, já, agora, drástico de redistribuição de riqueza, pode levar a um novo pacto social na Era Obama. Seria a virada de página de todo o individualismo desenfreado de consumo, por uma nova economia de serviços que venha a atender tanto ao trabalho quanto ao lazer, ou à garantia ambiental, em nova abordagem do que seja uma economia de bem-estar. E é ela a réplica à austeridade do sistema, afinal, liberado de seu cansado remédio.

Jornal do Commercio (RJ), 1/6/2012