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A democracia e a aposta chinesa

 

Continuamos a manter a visão da mudança e da melhoria social universais, a partir da exigência, urbi et orbi, da democracia. A Primavera Árabe mostrou-nos o paradoxo desta crença. Deparamos os casos típicos da Tunísia e do Egito, de como as eleições livres permitiram a torna do fundamentalismo, na clara regressão histórica dos valores da cidadania. Sobretudo, do que se pensava fosse a conquista irrevogável da modernidade, com o avanço do laicismo.

A decepção é particularmente sentida pelas elites tunisinas, tão próximas da inteligência ocidental, e confiantes em que a queda de um modelo corrupto só reforçaria, pelas eleições, a nova consciência da força da representação e da diferença política no país.
 
O novo público que agora preenche a Praça Tarhir se rebela contra a vitória maciça da Fraternidade Muçulmana no último pleito, reforçada, ainda, pelo peso dos saláfidas, na vigorosa restauração da Sharia. A inesperada prorrogação do governo militar reflete a hesitação diante do retrocesso, e as novas alianças contra o fundamentalismo, a redinamizar os quadro políticos de Mubarak. Mas é na China que se define, de vez, a releitura do reclamo pela democracia no subcontinente.
 
Não se dá conta, por vezes, o Ocidente, de como se aposta, no governo chinês, no avanço, de saída, da educação e da mobilidade social, arrancando o país da sua inércia imemorial. São, por exemplo, 250 milhões de jovens que se deslocam anualmente no território para visitação compulsória dos seus museus, no conhecimento da realidade histórica e social do país. Por certo, apenas começam os efeitos desta política de informação e acesso que atinge os próprios fundos arcaicos da nação. Seu resultado é, já, e desde agora, a formação de centros de debates, que vão à história recente do país, às sequências do maoísmo. O que ressalta, entretanto, é a nova dissociação entre o exercício da função pública e a entrada compulsória no partido. Num pano de fundo fica, ainda, a gigantesca matriz burocrática diante da dinâmica social emergente. E o seu contraponto reside na aceleração do crescimento universitário, como possível lugar da diferença, na megacomplexidade social que enfrenta o país, no destaque que a indústria assume, no seu PIB, frente ao peso tradicional e gigantesco da sua economia de serviços.

O efeito inevitável de uma organização em massa de trabalho como a dominante produtiva leva ao desborde internacional das chamadas economias da pobreza, largadas às antigas periferias da globalização. E na alternativa ao vácuo que se manifesta a presença chinesa, nos países mais desvalidos do mundo, como Angola ou Moçambique, na Etiópia ou Madagascar.

A China amadurece, agora, a sua interrogação quanto ao advento democrático e do regime representativo. Não nos damos conta do que vivemos, hoje, em tempos distintos. A sincronia dos mesmos reclames é o da impaciência ocidental. Mas a China já torna irreversível aquele marco de chegada.

Jornal do Commercio (RJ), 4/5/2012