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O Congresso dos fatos consumados

 

Celebramos o cinquentenário da renúncia de Jânio e, ao mesmo tempo, da crise que levaria à desestabilização do regime, facilitando o golpe de 64. José Augusto Ribeiro vem de nos dar o trabalho monumental, em dois volumes, tecendo o romance do gesto desastrado, e, nele, da ação de José Aparecido contra a obsessão golpista de Carlos Lacerda. Recorda-nos a interrupção das iniciativas do presidente, no apoio à reforma agrária do projeto José Joffily, nas diretrizes sociais e descentralizadas, trazidas ao Banco do Brasil, ou no começo de uma comissão de planejamento nacional. Mas é na linha da afirmação da política externa, resultante da cooperação de Afonso Arinos, desde a viagem de Jânio a Cuba, que se atenta ao quanto prometia a volta de Jango da China, na abertura desta nova atitude' internacional. Dever-se-ia muito ao vice-presidente na capacidade de ouvir e de induzir consensos, ao transformar uma missão comercial do empresariado brasileiro, numa nítida visita de Estado, na direta interlocução com Mao Tse-Tung.  

Só se agudizava, em contracampo, a denúncia ao 'avanço do comunismo' no governo janista, explorado, em todos os tons, por Carlos Lacerda, na confabulação, como nos mostra tão bem José Augusto Ribeiro, com os ministros militares, levando Jânio ao repto final junto ao Congresso. O desafio extremo à normalidade constitucional entremostrará a riqueza das mediações, a manter a continuidade da vice-presidência, no intermezzo parlamentarista, pela criatividade de San Tiago Dantas, Hermes Lima e Brochado da Rocha. Tal para, em meses, desaguar-se no plebiscito, nesta torna aos plenos poderes de Jango, mal logrando a oposição mais de 10% dos votos. 

Devemos a Alfredo Marques Vianna e Ricardo Cravo Albin, responsáveis pelo livro de José Augusto, a sequência histórica imediata, na interlocução com os ministros remanescentes do governo Jango, e no depoimento de Wilson Fadul e Waldir Pires. Salientaram, na agitação da cúpula militar, o protagonismo do general Kruel, na tentativa de mediação, ainda, do ultimato a Jango pelos comandantes do Exército, exigindo-lhe a eliminação dos "ministros comunistas". No entender de Fadul, o golpe decisivo veio do próprio Congresso, do senador Moura Andrade, entendendo que o presidente largara seu posto, indo para Rio Grande, e, sem " qualquer audiência do plenário, tomada de votos, ou audiências dos partidos, passou a chefia do Executivo ao presidente do Congresso. Esta mesma Assembleia que, sem discussão, dera como "fato consumado" a renúncia de Jânio. Com um "está encerrada a sessão", iniciava-se no cenário civil, por excelência, do país a ditadura militar.

Jornal do Commercio (RJ), 23/9/2011