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Do regional ao global no conflito egípcio

 

As marchas e contramarchas, no Cairo, entre oposicionistas e defensores do regime de Mubarak levam a novas interrogações sobre o conflito deflagrado pela revolução tunisiana. Não se pode atribuir, por completo, à manobra do presidente, a enxurrada nas ruas para sufocar os inconformados com o sistema. Multiplicam-se os depoimentos de uma classe média egípcia a sobrelevar a estabilidade consolidada do país, sobre as reivindicações de um pleno e amplo restabelecimento da democracia. De outro lado, a multiplicidade de lideranças autoassumidas contra o regime indica, cada vez mais, que não há um verdadeiro levantamento do inconsciente coletivo egípcio. Fosse tal a situação, eclodiria uma mobilização consequente a, já, ter, nesta altura, carismática ou não, uma clara liderança no abate a Mubarak. 

A Fraternidade Muçulmana ainda hesita em levar às vias de fato a queda do presidente, e muitos movimentos começam a ceder à tentação de um acordo transicional. O que se pensava fosse, ainda há quinze dias, um verdadeiro surto antiautoritário, no cansaço à ditadura em toda a região, repercute contraditoriamente na Jordânia ou no lêmen. Se o caso de Sana é assimilável ao do Cairo, por esta permanência mais que trintenária de um chefe de Estado, o da Jordânia atingiu um parlamento democrático, de uma prática eleitoral e de um regime parlamentar flexível, como o da monarquia de Abdullah. As declarações do príncipe Hassan à opinião pública têm outro teor e outra verossimilhança que o da estrita realpolitik de Mubarak. 

De toda forma, a nova instabilidade de todo o Oriente Médio já repercutiu sobre a possível obstaculização do Canal de Suez, na presença americana no Iraque. Forçam uma estratégia global de equilíbrio internacional e impõem a desestabilização de Israel, assegurada pelo governo egípcio, após as medidas do presidente Sadat e seu assassinato consequente. É o trunfo de que dispõe Mubarak, que sabe não ter alternativa num regime democrático que implique o retrocesso dos radicalismos islâmicos no governo do país. De imediato, o avanço da perspectiva iraniana nos vínculos históricos com  o irredentismo muçulmano da Fraternidade, frontalmente confrontada por Mubarak. Neste particular, o Egito se transformou no freio deste confronto, como base, inclusive, já, de décadas da política americana na região. O acuamento de Israel descerra o potencial atômico do país, e as condições em que poderá, ou não, atuar com um poder de barganha em novas condições de confronto com o mundo islâmico, muito mais mesmo que o árabe. Nele o armamento atômico iraniano pode, também, avultar como uma realpolitik de efeitos ainda incalculáveis, no quadro de estabilização global do planeta. A cautela de Obama, nestes dias, é a de quem sabe a irreversibilidade de cada passo. Ela vai além, neste momento, da retórica pela democracia em favor de sua opção de fundo pela permanência de Mubarak, inclusive para morrer, a seu tempo, na pátria dos faraós.
 

Jornal do Comercio (RJ), 11/2/2011