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Trunfos escondidos da nossa democracia

 

Não nos damos conta do quanto o governo Lula se encerra deixando o Brasil numa posição incomparável, mesmo fora da América Latina, em termos do avanço do modelo democrático nacional. No quadro, inclusive, dos Brics, não tem similares na coerência com que junta, ao desenvolvimento econômico-social, o avanço político, inclusive com instituições, hoje, dificilmente encontráveis nos próprios modelos europeus ou mesmo escandinavos.

 

De saída, o Conselho Nacional de Justiça, que criou o controle intrapoderes, e eliminou a presunção da intangibilidade do Legislativo, Executivo e Judiciário, muitas vezes sinônima da tolerância, intramuros, com o abuso de poder. A derrubada do nepotismo no Judiciário foi exemplar, nestas sucessivas trincheiras em que o familismo estadual entrincheirava-se nos cargos públicos, às vezes até como redutos de consaguinidade, intergeracional.


Foram deste último biênio a liberação da ação policial frente àqueles redutos e a penalização da corrupção orçamentária, ainda enredada no pantanal dos votos das comissões, a consolidar os piores presságios quantos às suas aprovações em plenário. Mas já vingou o efeito de contenção na prática dessa quase secular apropriação, pelos titulares do poder, dos dinheiros da república.

 

Avançamos, nos dados da ONU, em outro de nossos ineditismos. Ou seja, o do impacto do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado pelo governo Lula, a permitir o diálogo mais amplo entre as classes sociais, no nível mais rico e polêmico da sociedade civil brasileira.


Na sua quase centena de membros, o Conselho junta empresários e sindicatos, na sua quase unanimidade, às expressões dos povos indígenas, das ONGs, da Igreja ou das universidades. Não conta ainda, entretanto, com uma representação explícita dos sem-terra.


Temia a rotina institucional do governo que a iniciativa confrontasse o princípio da representação política num protagonismo paralelo. Mas tal significava ignorar o caráter propedêutico dos debates do Conselho, em ação prévia à feitura das leis, na possível entente de uma "reciprocidade de perspectivas", numa sociedade em alta transição rumo às estruturas, finalmente, do nosso desenvolvimento sustentado. 


A chegada do país do outro lado ao governo, com a presidência Lula, só acentuou o caráter exploratório deste diálogo antecipado, na troca de vozes que, pela sua mobilidade social, escapariam à rigidez da organização social. Ou melhor, à resistência das clientelas e de pactos de poder, que refletem a expressão clássica do poder legislativo.


Um observador do futuro associará a amplitude dos debates do Conselho a esta condição única, em que o nosso atual modelo de desenvolvimento associou, de maneira única, a expansão acelerada do nosso PND à redistribuição de renda, que caracteriza de maneira ímpar a prosperidade brasileira, de par com os nossos novos padrões de produtividade.


Na avaliação internacional dos avanços da democracia, a experiência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social se soma à do Conselho Nacional de Justiça e deixa o Brasil sem comparações em toda América Latina e em todo Terceiro Mundo em nosso modelo político.


É nesses termos que o grande resultado paralelo deste Conselho é o de discutir estatutos básicos da política de mudança nacional, qual o da reforma tributária e política. Há uma maturidade interna cívica para as mudanças legislativas, a vingar sobre as prévias posições econômicas, em função do desenvolvimento, e o Conselho é trunfo neste resultado, a adubar, ao seu tempo, as opções legislativas pedidas pela prospectiva brasileira.




 

 Jornal do Commercio (RJ), 10/12/2010