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Universidade e capital estrangeiro

 

A educação superior no Brasil mobiliza-se, agora, para uma nova dimensão estratégica de seu desenvolvimento: a inversão maciça de capital estrangeiro a começar por grandes complexos de ensino de São Paulo. A perspectiva é inédita dentro da própria maturação do nosso processo de mudança. É tardia também na medida em que a atividade educacional constitui, hoje, o quinto maior empreendimento no país.


Não é outro o motivo que leva o deputado João Valente a propor projeto de lei, a disciplinar este concurso, dando-se conta do papel macroeconômico que pode ter, na expansão do direito de educar entre nós. E da mesma maneira começam a repontar, no Legislativo, as inevitáveis Comissões de Inquérito, na interrogação inevitável dos estereótipos sobre o capital alienígena no mercado brasileiro. A Constituição entende a atividade de ensino como distintas da concessão de serviços públicos, e outorga expressamente ao Estado e à sociedade o direito à oferta desta prestação social.


Mais ainda, a Carta-cidadã de 88 reitera o quanto este empreendimento está aberto a iniciativa privada, e se, de toda forma a subordina a autorização, e aos cumprimentos das normas nacionais na área, não a limita expressamente ao capital brasileiro. Mas o fez sem se dar conta, à época, de qualquer eventualidade deste ingresso e, se o entrevisse, o teria permitido?


O debate que mal começa está articulado ao quanto a Carta, reconhecendo a iniciativa privada, de fato, não a dissociou de um caráter essencialmente social desta atividade. Como compatibilizar-se este imperativo em sociedades anônimas, associando o ensino à mesma dinâmica das commodities, das vantagens estritas do jogo econômico-financeiro, senão dos mercados futuros e dos ganhos de risco que comportem?


A tradição, toda, da iniciativa privada em educação superior no país deixou como quase excepcional, o empreendimento de ensino definido, como economia de empresa e manifestadamente ligado, hoje, ao intento de lucro. Na vertente oposta se manifestariam toda a gama em que esta iniciativa, justamente por fugir ao empreendimento empresarial estrito, comporta hoje as universidades comunitárias, as confessionais, as filantrópicas, e as que não o sendo também explicitamente negam a finalidade de ganho. A todas essas se confina, ao mesmo tempo, a condição de auxilio público no subsídio, às vagas, ou ao concurso em atividade de pesquisa ou extensão.


O que está em causa é de saber se acorrem com uma expectativa de lucro que possa se assimilar à atividade especulativa ou se exprimem as mesmas tendências do privatismo empresarial em educação que mostra o mercado americano. Entre essas tendências a investir se encontram, exatamente, fundos de pensão e aposentadoria das próprias universidades americanas, que nada têm de comum, hoje, com o mercantilismo predatório temido pela visão estatal e publicista do país.


Vivemos, já, meio século de uma empírie, no avanço do ensino superior privado do país. Não é por uma decisão de política pública que hoje, de fato, a área estatal responde a pouco mais de 20% da oferta e é o setor particular que tem conseguido suprir maior parcela da fome de ensino no país, e de melhoria da profissionalização do conhecimento e do nosso saber fazer. A mesma inércia não pode se repetir diante do capital estrangeiro levando tardiamente a racionalização desse fluxo e da sua compatibilização com a defesa do pluralismo de instituições, diversidade de idéias e, sobretudo, garantia da competição emergente, diante das economias de escala que podem pressagiar estes afluxos.


No horizonte do nosso desenvolvimento sustentado, este afluxo vem como um input tardio, mas a ser considerado como um marco nessa nova posição adulta do Brasil, no mercado internacional de capitais. E é a nova e moderna regulação que por força se acolherá este influxo. E não, à sua falta, a possível enxurrada de comissões de inquérito e sindicâncias ex post da nossa mudança.


Jornal do Commercio (RJ) 4/7/2008