Deparamos, nestes dias, as surpresas frente ao que se entendia como os jogos feitos no desfecho das crises do Oriente Médio. E, de saída, no embate político do Egito, quando, ineditamente, o líder do golpe militar, o general Sisi, ganha popularidade, enche a Praça Tahrir e vai às massas, num contraponto à derrubada do presidente Mursi.
Até há poucas semanas, o país parecia mergulhar numa inevitável guerra civil, com a denodada resistência dos aliados do governo derrubado. Só cresciam os confrontos de rua, inclusive ao risco de choques frontais e abates crescentes dos defensores do constitucionalismo. Independentemente de toda uma pressão midiática, o chefe do putsch militar procura as ruas e é objeto de uma propaganda de consumo, com a disseminação de chocolates especiais com o seu retrato. Nos novos cenários, nasce a interrogação de se o general passa diretamente a novas eleições, sem a articulação prévia de uma nova Carta Magna. De toda forma, a se vir a um pleito, claramente tal implicaria a definição do destino de Mursi. O fortalecimento do militar poderia, de imediato, levar à aceleração do julgamento do ex-presidente, pelo risco da toma do poder, pela Fraternidade Muçulmana, e da instalação das "guerras de religião". O golpe se justificaria pela manutenção do laicismo político, como contrapeso ao abate da democracia. Por força, também, a realização de novas eleições pode evidenciar a força latente ou adormecida, nestes últimos meses, dos adeptos de Mursi.
Inesperada, por inteiro, também, é a crescente estabilização do regime de Assad, na Síria. O risco da guerra química, avançada por ambas as facções, mas, sobretudo, pelos rebeldes, eliminou o apoio de uma consciência internacional e a possível intervenção das Nações Unidas, após as declarações nítidas de Ban Ki-moon.
Doutra parte, ainda, a infiltração de grupos terroristas nas facções anti-Assad criou um balanço de riscos frente ao primeiro desfecho previsível. O intervencionismo prometido por Obama, no quadro de uma consciência ocidental, perdeu, progressivamente, o apoio europeu, abrindo-se, agora, expectativas de parlamentação com o chefe de governo sírio, inclusive com a expectativa de sua mantença no cargo.
Ainda mais inopinada foi a iniciativa do novo primeiro-ministro do Irã, Rouhani, de procurar a interlocução com os Estados Unidos, num primeiro degelo nas relações entre os dois países - interrompidas há mais de trinta anos - depois da Revolução de Khomeini.
O gesto colheu Washington de surpresa, tanto quanto o líder iraniano confrontou, também, os seus próprios conservadores, em reprimenda do chefe supremo, o aiatolá Khamenei. A aposta é na própria opinião pública do país asiático e no entendimento de uma nova alternativa na política do país, já que o eleito não era, de longe, o favorito no voto.
Mais ainda: num claro desafio a Israel, Rouhani não foi às imaginadas concessões no aproveitamento dos recursos minerais, para a entrada do Irã no clube da bomba. De toda forma, superou-se o quadro de condicionantes à plena inserção do Irã na comunidade internacional, a retirá-lo do quadro de isolamento norte-coreano. E, sem se augurar, ainda, qualquer vaticínio para a plena volta da democracia no Oriente Médio, uma primeira frente de garantia dos direitos humanos - com a proscrição da guerra química e da tortura de combatentes, somada à limitação de penas capitais sumárias - pressagia a torna, na região, de um Estado de Direito.
Jornal do Commercio (RJ), 1/11/2013