Se há um tipo de político que faz falta no Brasil de hoje, ele é encarnado por Marco Maciel que morreu ontem aos 80 anos, depois de uma longa enfermidade. Católico praticante, considerava-se um missionário da política. Extremamente culto, leitor de Bobbio e Weber e outros grandes filósofos e cientistas políticos, sua visão política ia muito além do imediatismo que hoje domina nosso cenário partidário, agia com discrição nos bastidores, sempre em defesa da democracia, mesmo que muitas vezes tivesse que olhar o longo prazo para negociar o imediato. “Deve, o político procurar andar mais depressa que os acontecimentos, ver com antecipação e realidade e agir prontamente sobre a causa dos problemas."
Foi assim quando, presidente da Câmara aos 37 anos, teve que confrontar-se com o fechamento do Congresso pelo governo do General Geisel. Longe de gestos açodados, manteve-se na ação ao lado dos militares que trabalhavam pela abertura política, mesmo com retrocessos momentâneos. Após a decretação do “Pacote de Abril”, que alterou as regras do jogo para garantir a maioria governista no Congresso, Marco Maciel foi, juntamente com o senador Petronio Portella, um dos mais atuantes no projeto de distensão “lenta, gradual e segura”, que levou à anistia política e à eleição de Tancredo Neves pelo voto indireto.
Para apoiá-lo, Maciel rompeu com o PDS, partido governista derivado da Arena, que tinha como candidatos Paulo Maluf e Mario Andreazza, e ajudou a fundar o Partido da Frente Liberal (PFL), que reuniu dissidentes governistas. Quando, anos mais tarde, foi convidado para ser vice do candidato Fernando Henrique Cardoso, fez parte de mais um avanço institucional ao unir o PFL ao PSDB, um partido social-democrata, que queria o apoio da direita moderna e civilizada para poder governar e consolidar as mudanças que coroaram o Plano Real.
Certa vez o vice-presidente Marco Maciel ouviu de Heitor Ferreira, ex-secretário particular dos presidentes Geisel e Figueiredo, a definição do posto que ocuparia no governo de Fernando Henrique: “Vice-presidente é nada à véspera de tudo”. Maciel soube equilibrar-se nessa linha quase etérea entre o “nada” e o “tudo”, e hoje é exemplo de comportamento para um vice-presidente, discreto e eficiente.
Já naquele tempo Marco Maciel, que teve uma carreira política brilhante, sendo eleito deputado estadual, deputado federal, senador e indicado por Geisel governador de Pernambuco, além de ter sido ministro da Educação e Chefe do Gabinete Civil da presidência no governo José Sarney, centrava sua análise na necessidade de reformas institucionais para fortalecer a federação.
Além das reformas institucionais, como a tributária, o senador Marco Maciel também apontava a necessidade de uma ampla reforma abrangendo a legislação eleitoral e política. Foi o idealizador da inclusão das “cláusulas de barreira” em nossa legislação, que só agora estão sendo adotadas entre nós, e defendeu sempre o parlamentarismo, como maneira de evitar as sucessivas crises políticas que nos rondam.
Recebido na Academia Brasileira de Letras por seu conterrâneo Marcos Vilaça, teve destacada por ele sua postura no ministério da Educação de defender a interação da Educação com a Cultura. São palavras suas: “A Educação é uma verdadeira interiorização da razão. Nela se conjugam admiravelmente os valores da tradição e do progresso, visto que por ser capaz de receber a herança dos seus antepassados, de compreendê-la e assimilá-la, é que o homem se capacita a melhorá-la e desenvolvê-la.” E mais adiante, no mesmo livro Educação e Liberalismo, Vilaça ressalta que ele endossa a visão abrangente da Cultura, onde consideram-se tanto os bens móveis e imóveis plenos de valor histórico e artístico, quanto os bens de produção cultural. “Marco Maciel acredita na Cultura como fonte de criatividade, dinamizadora da sociedade moderna, reordenadora dessa sociedade no sentido, inclusive da superação de crises”. Para os que vivem esse tempo de ódio e polarização política, uma frase de Marco Maciel: “Não vejo na divergência ideológica, na diversidade partidária e no pluralismo doutrinário, senão virtudes para as quais se concebeu a democracia representativa."