Minha história secreta com o país do sol nascente
Os meus cumprimentos nesse princípio de outono, sob uma luz intensa e nítida, que é como devem começar as cartas nipônicas, marcadas pela estação do ano.
Minha relação com o Japão começou na meninice, com um manual de conversação e uma pequena gramática. Se a pronuncia me faltava, a memória de uma trintena de kanjis abria-me as portas para os desenhos da língua. Ainda jovem, capturava em ondas curtas a Radio Tokyo Internacional. Sucedeu-se depois a incurável paixão da síntese, despertada pelos haicais e as tankas, tesouros de toda a poesia. As páginas de Lafcadio Hearn e Fosco Maraini chegaram tardias; ao contrário da ópera de Puccini, do teatro No e Kabuki, das considerações da filosofia zen, essas que invocam imagens de alto impacto, entre Kurosawa e Hokusai.
Preparei um número especial da revista Poesia Sempre dedicada ao Japão, enquanto me perdia nas páginas irredutíveis de Mishima, e Tanikawa, Yoshimasu e Tanizaki. Meu japonês é apenas rudimentar, intermitente, com idas bissextas a Kenneth Henshall, espécie de botânica para memorizar kanjis.
Passei do plano das ideias ao real, quando fui convidado a proferir palestra nos cem anos da cátedra de português na Tokyo University of Foreign Studies. Guardo paisagens duradouras e uma visita memorável à casa do poeta Tanikawa Shuntaro, que me dedicou um livro e um chá, cujo sabor não se perdeu, em companhia da professora Donatella Natili, o meu Virgílio nas bandas do sol nascente. Tratamos do Brasil, quando o poeta esteve, aqui no Rio, na década de sessenta. Magro, mal se alimenta. Vive apenas de meditação. Disse-lhe de minha viagem à Índia. E umas flores imensas, uma chuva botticelliana de flores em milhares de santuários. Leite e manteiga. Falamos de Shiva, de Prajna. Esteve no Rio, carnaval dos anos de 1960.
Não falei da Butterfly, de Puccini, nem da Íris, de Mascagni. Um Japão sequestrado pelo Ocidente. Um sequestro musical sublime. E ao deixar a sua casa, em verso de seu livro Coca Cola Lesson: “Um menino chegou de manhã para aprender palavras”.
Essa é uma parte, caro amigo, da minha secreta história com o Japão.