Avulta, nestes dias, a exploração do evangelismo, a aproveitar-se cada vez mais da nossa subcultura. Do campo político ao da dominação dos crentes, na esbórnia sexual do pastor Marcos Pereira. As fiéis de sua igreja aí estão às portas do presídio, nas fotos da vigília da fidelidade, em batas coloridas e esperas pelo ídolo. Foram salvas pelo sexo, na retribuição exigida pelo abraço do pastor. Inclusive, na organização sistemática de orgias em prédio da Avenida Atlântica. Mas a gravidade maior desta infestação pseudo-religiosa reside na mídia, no anúncio dos milagres de auditório, com a repetida e proclamada cessação de dores, no minuto certo, e o subsequente “agradecimento ao Senhor”, acompanhado da esmola farta. A liberdade religiosa nada tem a ver com a impunidade das trampas destes programas e a passagem à impostura, com a garantia da presença do demônio, nas sextas-feiras, às 5h da tarde. A exploração vai ao exponencial, nas multi-igrejas dos “últimos dias”, e na formação instantânea dos ditos pastores, nascidos das conveniências da hora.
Inquieta, no outro extremo, a prática dos exclusivismos sociais, transpostos à ação política, ora manifestada na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, pelo pastor Marco Feliciano. O dislate diz do nosso indiferentismo cidadão, não obstante a força do protesto, que, graças a Deus, ainda não se acomodou. Mas o acinte de ver o diabo nos opositores mais se reforça na determinação do seu partido de mantê-lo à frente, num obscurantismo insuportável à democracia brasileira. Mais grave é o reconhecer-se que ditas manifestações de fé, no terreno da nossa subcultura, só prosperam pela radicalização e pelo confronto, sem volta. Impressiona, ao mesmo tempo, a colheita dos dízimos, inspecionada, na hora, pelos celebrantes.
Diante da prevalência dos direitos humanos, assegurados pelas leis fundamentais da nossa Carta, choca a permanente impostura dos milagres midiáticos, protegidos pela “liberdade dos crentes”. Sem dúvida, Feliciano surgirá com uma supervotação nas próximas urnas. Encarnará as “potestades do bem contra os demônios”, na polarização extrema da passagem da religião à política, e num retrocesso lamentável da democracia do século XXI. Marcos Pereira e Marco Feliciano põem à luz um submundo que não pode ser confundido com o evangelismo, a prosperar na crença de um genuíno e generoso pluralismo da fé.
O Globo, 31/5/2013