Aí está claramente a contribuição do ministro Tarso Genro em tornar a pauta da educação, sem dúvida a mais relevante, na fronteira das conquistas sociais a que responde especificamente o recado do Governo Lula. Não se trata apenas já de mostrar os índices desses dias da baixa a 3% da falta de escolaridade básica no País. O avanço do Prouni, com o apoio logrado da área pública e, sobretudo, decisivamente privada do terceiro grau, mudou uma atitude, inclusive, nesse avanço qualitativo do ensino brasileiro. Passa-se a sobrelevar este outro dado, tão percutente quanto o do analfabetismo que era o da massa de estudantes capacitados à entrada no campus, e barrados pela falta de vagas da área pública, de par com a ausência de poder econômico para ingressar na área particular.
As classes C e D chegaram à universidade de sopetão, como resultado do esforço pertinaz de expansão do ensino secundário público, desenvolvido na última década entre nós. Na previsão do antigo ministro da Educação, Paulo Renato, é só 30% desta expansão que de fato bate à porta tradicional da universidade, caldeado o demais para as múltiplas modalidades do ensino tecnológico.
A desproporção gritante do volume de candidatos ao vestibular das universidades públicas e ao das privadas vai ao paradoxo de que 70% das vagas do ensino público e gratuito são preenchidas pelos 20% do topo do estudantado rico do País. Da mesma forma se verifica o quanto, preparadas para atender à economia do alunado de classe A e B, as universidades se organizaram em termos de garantia de pessoal docente e de investimento, a um gasto dificilmente conciliável com os limites do orçamento familiar dos novos setores irrompidos ao "campus", para bem da mobilidade social do País.
Algumas das universidades privadas, na assunção plena do mais legítimo e social dos riscos de empresa, organizaram-se para atender a essas demandas. Só que a garantia do êxito desta opção envolve dimensão de economias de escala e dinamismos de expansão, expostas a eventuais contrações do poder real de compra desses grupos emergentes. Ou, a lográ-lo, a criação de condições de riscos à garantia constitucional do pluralismo da educação superior, e a diversidade de tratos e formas do ensino de terceiro grau.
O problema da inadimplência está ainda, menos do que na força do engenho, na capacidade criadora de toma de riscos pelo setor bancário privado da economia brasileira. O setor privado bancário não estudou ainda em profundidade, por exemplo, o sentido de arraigada noção de adimplência que têm as classes recém-chegadas a mais que uma economia da mão para a boca, e ao ganho de primeira folga naquele orçamento familiar. Não há, nesses grupos, e especialmente os de classe D, apoio às culturas da evasão escolar, ou aproveitamento dos facilitários permitidos pela atual legislação regulatória das mensalidades do ensino superior.
Em boa hora, e dentro do apoio do Ministério da Educação, a Comissão de Educação da Câmara está hoje dando a esta iniciativa melhor caminho que o, de início, pensado pelo projeto Mares Guia, que destinava à educação os fundos de aposentadoria, já abertos à aquisição da casa própria.
Por força, num momento de extrema limitação de disponibilidades orçamentárias de captação de recursos públicos, entende-se que o Governo federal fuja à vinculação direta e forçada da poupança compulsória, para fins amarrados em lei. Mas no alvitre que pensa hoje a Câmara, está-se, talvez, fechando o círculo virtuoso, no lugar dos somatórios de impasses que até hoje impediram a criação de um sistema privado creditício ao ensino superior. Impõe-se a reavaliação objetiva de riscos e sua cobertura na visão integrada da economia do prestador de ensino, de seu consumidor, de quem o financie e do parceiro que, em última análise, garanta a exeqüibilidade da operação.
A universidade daqui a 20 anos decide, agora, das matrizes realistas que adotar. Ou seja, da compatibilização com o mercado do custeio dos serviços da universidade privada que, na presente tendência dificilmente alterável, responderá já então por mais de 80% da oferta do ensino superior. Um inevitável processo regulatório assegurará a convivência democrática entre esses diversos "campi", bem como as suas economias de escala, obedecendo às novas estratificações da procura. Não elucidamos a ambigüidade entre a proteção do desmunido e o jogo realmente competitivo pela qualidade, e as dimensões que possa comportar, trocando baixo preço por larga oferta. Nesta indeterminação, vivemos o paradoxo de ter na área da educação o setor mais dinâmico hoje da nossa economia de serviços e o mais exposto à sua morte súbita.
A atividade educacional que condiciona a um verdadeiro pluralismo de opções a dinâmica intrinsecamente econômica do mercado. Tal como o imperativo público e continuado da avaliação mostra que o ensino não pode ficar aos azares e às manipulações de uma oferta de conjuntura. O futuro da universidade passa pelo mercado, mas o atravessa se, de fato, produzirmos o verdadeiro intangível de que se faz o seu investimento histórico.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 20/05/2005