Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Prospera a democracia dos indignados

Prospera a democracia dos indignados

 

Em Madrid, na Praça Puerta del Sol, acelerou-se, nestes dias, este novo protagonismo imediato da democracia dos indignados. Deparamos esta irrupção do dissenso no emergir do século, que põe em causa o próprio cansaço do princípio de representação democrática. Retornamos ao arcano senão à memória ancestral do "povo na praça", nas ágoras atenienses, manifestando o desacordo e o aplauso, na cidade, em reunião a céu aberto.
 
Não há, por outro lado, que confundir estas manifestações com os protestos cutâneos como os das marchas episódicas, entre nós, contra a entranhada corrupção do sistema. O novo da Espanha e a maturação da sociedade democrática dos nossos dias, ao lado de todos os aperfeiçoamentos parlamentares, levou ao desponte também desta manifestação do protesto e do dissenso. Dele nasceu o Maio francês de 68 e a procura, das novas liberdades "na praia, desenterrada do paralelepípedo urbano", nos motes de então.

Nesta mesma sequência, a Praça Tahir só se desmobilizou com a derrubada, no Cairo, de Mubarak. E esta militância tão decidida quanto disciplinada não reclama apenas justiça e liberdade, mas cobra o desagravo simbólico da opressão. Reuniu-se novamente a população cairota para festejar a visão do ex-presidente atrás das grades, nos seus primeiros interrogatórios como prisioneiro pelos morticínios de abril.

Mas é a Espanha destes dias que dá mais profundidade ainda a essa aglomeração cívica, em nova capacitação política, para ficar. Quer discutir temáticas e expor denúncias que escapam às burocracias dos Parlamentos e vão, sobretudo, ao tamponamento da mídia. Ledo engano o prognóstico de que esta multidão debandaria logo. Persevera, sim, nos debates, da corrupção ao futuro da União Europeia e do casamento gay.  

A "democracia dos indignados" força a sua rotina, no novo cotidiano político madrilenho, tal como na Praça da Catalunha, em Barcelona. A mobilização já comporta grupos e subgrupos, retornando, genuinamente, às democracias diretas. Tratam, ao mesmo tempo, de temas distintos, prevendo, a longo prazo, campanhas para forçar o seu confronto na praça, antes que se desfigurem ou amorteçam na dita opinião pública.

É significativo que, ao mesmo tempo, a Índia, em novo gandhismo, volte às greves de fome, mas, ainda, no caso do novo profeta Anna Hazare, apostando num tempo de impacto para a mobilização popular. Ou à espera do desenlace de sua penalização sumária, para se chegar ao protesto nas ruas. Os indignados da Puerta del Sol traduzem o fato consumado do protesto e vão à interrupção do tráfego ou à prisão eventual como presença deste novo corpo político, a vingar os longos ressentimentos com o silêncio de injustiças, e a exigir uma nova ordem de satisfação coletiva.

Vai a democracia ao novo repto, num exemplo que já venceu as clássicas repressões da comezinha ordem pública.

O exemplo aí está, a ganhar outras cidades europeias e trazer a agora à modernidade, diante de um ancien regime, em que a democracia parlamentar vai aos mesmos registros da obsolescência das monarquias absolutas.

Jornal do Commercio (RJ), 16/9/2011