O establishment brasileiro encontrou, nestas décadas, formas repetidas de resistir à mudança de fundo em que avança o “país de Lula”. Com razão, em 45, na ditadura Vargas, de par com o processo da melhoria social, trazido pelo populismo. A União Democrática Nacional surgia, então, desse primeiro ímpeto do país “bem” frente à nação que começava a usufruir de novas redistribuições de renda, logradas pelo avanço do salário mínimo e pelas múltiplas conquistas sindicais saídas do Estado Novo.
Já na volta ao poder de 50, Getulio se viu outra vez ameaçado pelo denuncismo lacerdista, quando se racharam, de vez, os dois Brasis com o suicídio presidencial e a arrancada do desenvolvimento juscelinista que lhe veio na esteira. Tornava-se nítido o quanto o antivarguismo, com a UDN à frente, constituía o eixo da reação, já dentro do país empenhado na justiça social que levaria à fundação do PT. Na nova quebra, por um quarto de século, da democracia pelo governo militar, a volta ao estado de direito somava todas as oposições num clamor básico.
O udenismo ampliava a sua visão ideológica quando o retornismo civil se opunha ao estatismo dos militares, e à presença dos fundos públicos, na infraestrutura, retomando o norte de Volta Redonda e da Vale do Rio Doce, de 30 anos antes. E é, na verdade, sob o reclamo da privatização definida, e a longo prazo, que se marca a iniciativa do governo Sarney, já nos imperativos do neocapitalismo global, cumpridos à risca pelos tucanos no poder.
A vitória de Lula forçava o realinhamento desse status quo trazido, de vez, à virada de página. Não se imaginava, entretanto, um jogo de ambiguidades em que os moralismos pudessem passar ao partido da mudança, por uma inesperada dialética interna de um PT caído na gula do poder e do clientelismo, e tentado ao mea-culpa pelo resgate da pureza política, típicos da oposição, e não dos imperativos da mudança de nossa estrutura social.
Não se dá conta, talvez, o petismo de quanto o mensalão se transformou na maçã envenenada, que tirou de vez o PT do éden da mudança. Ou melhor, o levou às rejeições reacionárias, pelas quais toda oposição quer voltar ao poder, fazendo do velho udenismo a sua retórica histórica. Só que a ferir de ambiguidade mortal o PT, entre a defesa de uma ética abstrata da conduta política e a exigência primordial da luta contra a injustiça da sociedade brasileira. É o que leva hoje ao paradoxo do repúdio por esse moralismo, historicamente a serviço de qualquer status quo, a contrapor-se à decisão pela mudança, que é, sempre, uma realpolitik, e exige os aliancismos e suas “mãos sujas”.
Não é sem razão que hoje, inclusive, na visão histórica do outro Brasil, o apoio ao presidente excede, em quase 2/3, ao do PT. Nem, por outro lado, a legenda situacionista, enfrentando o udeno-moralismo medular depara, a bem do futuro, um jogo já feito pelo “povo de Lula”.
O grosso do eleitorado situacionista sabe o quanto o debate da corrupção no seio do Senado é discussão do status quo mais aparelhado, na blindagem de suas vantagens, que não se derrubam por um reformismo ingênuo, mas por uma mudança paulatina da consciência nacional. O incidente Mercadante foi um divisor de águas, que mostrou, afinal, no PT, o que corre, a bem do país justo, contra a cansativa litania do país “bem”.
Jornal do Brasil (RJ), 16/9/2009