Os resultados nacionais do semestre evidenciam como sofremos tão menos que o esperado da crise global, não só pela condição de país continental, voltado para o seu mercado interno, quanto pela clara emergência de um modelo nosso de desenvolvimento. A maturidade do governo Lula está hoje nesta sustentabilidade ganha na mudança, e na acolhida de suas forças criativas, fora dos princípios de uma ortoxia capitalista. Ou do que o governo tucano via como o dogma de uma privatização crescente e benfazeja da economia. Ao optarmos pela prosperidade com inclusão, acolhemos à premissa política, essencial, de todo esse processo, que é a redistribuição imediata da renda nacional.
Não se trata apenas de ver uma rede de proteção social, nos experimentos criativos da Bolsa-Família, da garantia do valor intrínseco do salário mínimo, do apoio à lavoura-família, e com um acesso aos serviços de educação e saúde, mesmo antes do ingresso ortodoxo do trabalhador numa economia de mercado. São todas gamas desse mesmo eixo central, de um só dinamismo de ruptura de inércia como o statu quo, no imperativo de um desenvolvimento que replica ao velho regime nas suas dependências externas e na sua concentração econômica. Mas o que deparamos ressente-se, ainda, da formulação nítida e contundente do que seja o papel intrínseco do nosso Estado, nesta política da mudança.
Não há apenas a repetir, timidamente, como o faz o relatório do Conselho Econômico e Social da Presidência, em "recupera-se" a tarefa do Estado, ou "renovar a sua presença" no panorama das políticas públicas brasileiras. Refletindo o ressurgimento democrático da época, a Constituição do Dr. Ulysses cuidou mais das garantias cidadães, do que da formulação precípua do Estado na mudança, inclusive deixando-a na área econômica nas mesmas condições de funcionamento e concorrência da iniciativa privada.
Fiscalização. Na última década do século permanecemos num quadro meramente fiscalizatório e regulador, em que o Estado desempenha esse outro e fundamental papel no desenvolvimento nacional. Falta-nos espaço para verificar o quanto, também, nesse período, as privatizações de empresas-chave vieram ao mesmo embalo e mesmo passo da globalização hegemônica. Nem por outra razão toda visão do Estado como controlador-explorador das reservas do pré-sal escapa da Petrobras, no que seja a destinção essencialmente social dos seus benefícios.
A polêmica, que mal começa, só enfantiza a exigência de uma política pública do Estado, ao mesmo tempo produtor econômico e agente, na mesma escala, do desenvolvimento social. E em que termos, por outro lado, no programa ainda adormecido das parcerias público-privadas, impõe-se superar a visão a priori minoritária do que seja o concurso da poupança governamental dessas unidades emergentes de aceleração da mudança?
O governo Kubitscheck deu-nos a primeira política global da mudança como um programa de metas e a paralela mobilização de uma consciência nacional para realizá-la. Carecemos, entretanto, de uma definição homogênea, planificada, do montante dos recursos públicos e privados para dar-lhe cabo, expondo-nos, ao mesmo tempo, às contradições da época da nossa dependência internacional. A crise não só alforriou os BRICs. Obriga-os a apetrechá-los para sua autonomia externa e, dentro dela, à perpectiva criadora do papel emergente do Estado, na urgência social, econômica e política do país. Da "ordem e progresso" passamos à mudança já - e toda.
Jornal do Commercio (RJ), 16/6/2009