Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Opinião: Um Congresso que não engana

Opinião: Um Congresso que não engana

 

A luta pela presidência da Câmara mudou drasticamente o comando da iniciativa do novo período governamental. E, significativamente, a bem do próprio Congresso, este desmoralizado ator do centro da Praça dos Três Poderes, como rezou a fieira de escândalos destes últimos dois anos. É o Legislativo das clientelas eleitorais remanescente que cata os seus pedaços e se rearruma para fazer frente ao Executivo, renovado na força e no desimpedimento do presidente. Este foi à sabedoria do anticlímax; não se deixou pear pelas escolhas de ministério; pescou e repescou em Guarujá, a cuidar do lance de partida para o segundo mandato.


Lula não precisa do Congresso, nem do PT, e dispõe, pelas cumplicidades partidárias múltiplas, de verdadeira terraplanagem para aplastar o poder municipal, e recompor a força política para as urnas de 2010. No seu instinto de sobrevivência elementar, a Câmara dá-se conta da força de Lula, para além das siglas, nas coalizões Norte e Nordeste, ou pela exploração da clivagem que se abre ao tucanato, no contraponto entre o paulistério e o PSDB de Aécio, e do resto do Brasil.


A reação, à undécima hora, da candidatura Fruet é a da outra tentativa de sobrevivência do Congresso. Ou seja, a de manter-se junto à opinião pública, de preferência a forçar o jogo bruto do Brasil das clientelas instalado no Legislativo. Mas o voto secreto está aí - e ficará - no anonimato para lavar a honra de quem a invoca e ir aos fatos consumados das benesses da Câmara.


As articulações de Arlindo Chinaglia mostraram como a realpolitik intestina devorou os protocolos e carnês de baile, ainda esperados em dezembro, para os jogos de situação e oposição, que levariam à reeleição venerável de Aldo Rebelo. Lula, a recomeçar o governo, encontra um Congresso rearticulado no esplendor corporativo, à margem das cúpulas partidárias, para vir à plataforma dos pedidos e negociações com o governo federal. Pretende uma presidência petista, sem envolver os novos caciquismos da restauração partidária. Devolve a seu canto o PMDB, visto como o sócio comanditário das novas maiorias pós-reeleição. E, sobretudo, e de vez, com um vice-presidente tucano, da fé de Aécio, a Câmara trava a nucleação paulista, para definir as contas de pressão nos jogos a longo prazo frente a Lula.


O que deparamos é um levante intestino do Legislativo, a mostrar a obsolescência das lideranças ostensivas diante do novo jogo de poder do país. O passo à frente, de logo tem a vantagem de desatualizar, ainda, mais quem ficou na velha toada, como o pefelismo agora de todas as desditas. A nova mesa ganhou um poder aluvial no Legislativo, desimpedido de todas as negaças moralistas, e vira a página da esbórnia aumentatista do fim do ano.


Chinaglia é a expressão deste poder, desinibido, forte na solidariedade intransitiva do baixo clero, a encarnar a reação in extremis de um Legislativo acuado entre o desprestígio nacional e as contradições de fidelidade regional dos grandes partidos do país. Não há peleguice que não tenha atendido, e vai às maiorias novas como um tsunami de todas as clientelas e favores. Que definição partidária emergente nasce deste magma de benesses?


O novo situacionismo pouco precisará, de fato, do Congresso. Mas a democracia brasileira enfrentará, a bem de seu aprimoramento, a polarização do velho país no Legislativo, e de um lulismo a refletir a consciência de mudança e as forças que a garantam. Não tem pressa de favores, como o plenário de Chinaglia. Mas sabem o que querem no Brasil de Lula, até apesar de Lula.


Jornal do Brasil (RJ) 24/1/2007