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Obama, o bom perigo

 

A avalanche de Obama não estarrece apenas a Hillary Clinton, mas surpreende todo comportamento político do establishment. Há mais de meio século não houve americana eleição que contasse com mais de 60% dos votantes, no país acostumado com o rame-rame das urnas, e a alternância, via de regra, entre democratas e republicanos.


A subida do senador do Illinois, ainda sem freios, é de uma bofetada nesse mesmo status quo de uma nação disposta a virar a mesa, por uma vez, do que está aí. Obama não é um candidato de minorias aglomeradas, ou que tenham vencido os seus preconceitos, mas a garantia de um postulante distinto dos outros, e que, ao mesmo tempo, evitou toda a encarnação do protesto explícito, ou do confronto. É o candidato diferente que, inclusive, pode prescindir do dizer a que veio, e representa um castigo às escolhas clássicas transformadas, agora, em sucessões dinásticas, entre as décadas dos Bush ou do casal Clinton.


Tornou-se o nome torrencial da mocidade, ou dos afros que, por sua vez, não o querem como uma afirmação teimosa do gueto. Tem o aplomb, o traje, a formação harvardiana que, entregue à sua própria audácia, faz a vez e a hora na disputa do posto político mais importante do mundo. Não deixou dúvidas no discurso surpresa de 2006, quando mostrou a cara de desassombro à nação. E percorre agora o caminho dessa vitória sem dela se surpreender como eleito dos deuses ou de um povo que acredita no ir às urnas. E bastarão mais 5% do atual correntio eleitoral para aplastar o status quo por uma impaciência nova incitada pelo Salão Oval tenebroso dos últimos quadriênios.


Não importa a nação que quer mudar, a esta altura, o como fazê-lo, e qual o seu programa. Nem Obama tem que precisar o discurso deixado na generalização dos apelos e convocações, para um eleitorado que precisa da catarse muito mais que da promessa.


O discurso da vitória nos Estados banhados pelo Potomac foi insosso, repetitivo, como continuará – para desespero de Madame Clinton. Não ganhará por ter a proposta e a visão competente diante de um povo por uma vez farto do establishment. A querê-lo fique com McCain, ou vote em branco já que os “neocons” perderam a vez, e a candidatura republicana tem que escapar ao beijo da morte de Bush.


Nessa escalada não há que temer, na última hora, uma decisão dos cartolas partidários contra a enxurrada do voto miúdo a atrair, hoje, também um eleitorado independente, alinhado no repúdio a uma Presidência mentirosa, belicista, e beneficiária da “civilização do medo” que mostra qualquer entrada nos Estados Unidos, seus controles, sua exasperação. A vitória de Obama torna o eleitorado prisioneiro de um caminho inédito à esperança da maior nação do mundo. Mas a democracia não se deixa vencer, nos colegiados que dela brotam, e no voluntariado político oferecido ao novo Salão Oval. Afinal, o New Deal dos anos 30 nasceu do último abate eleitoral aos Estados Unidos, e nos deu a era Roosevelt, sem recados prévios, nem promessa de travessia sem susto, nem maquiagem do mesmo, saída do trousseau de Madame Clinton.


Jornal do Brasil (RJ) 20/2/2008