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Obama já virou a página

 

Os resultados das primárias da Carolina do Norte e de Indiana mostram como os Estados Unidos já viraram uma página decisiva, na reafirmação da sua democracia profunda. O sucesso de Obama, para espanto do mundo, é o desse arraigamento no eleitor americano, do que seja, de fato, ir às urnas na convicção do peso individual do seu voto. E assistimos agora ao começo desse plebiscito de base, em que o país de Jefferson e Lincoln confronta a hegemonia de Bush, a ocupação do Oriente Médio e a “civilização do medo”. Independentemente do resultado final, lances da candidatura do senador de Illinois derrubaram o que se pensava fossem preconceitos irrevogáveis do país, e o enrijecimento definitivo do seu conservadorismo.


O novo avanço definitivo é o da superação do obstáculo de raça, no processo eleitoral do país, que se deve ao discurso lincolniano do presumível candidato democrático, há um mês atrás. Por fim, Obama abre mão de qualquer ressentimento, ou forra no que mobilizasse o seu eleitorado às urnas, fiel a uma polarização de diferenças ancestrais e inconciliáveis. Deparamos a abolição, de vez, deste fator de vindita e discriminação, no jogo do poder político. O candidato não quer o voto da sua raça como tal, mas a escolha cidadã autêntica da melhor chapa, e do que seja a opção pela mudança efetiva e geral nos Estados Unidos.


Logo a seguir, o senador de Illinois conseguiu desmontar a alegação de Hillary, de encarnar uma proposta elitista, tal como se a quebra do status quo perturbasse a tranqüilidade média do país, tal como expressa por um eleitorado branco, operário e de pouca educação, que Madame via como a massa de seus possíveis votantes.


Em nova virada de página, Obama logrou contundentemente dessodarizar-se de todo radicalismo demagógico desta mesma mudança, expressa pelo extremismo da predicação negra, protagonizada pelo pastor de sua própria Igreja. E o valor exemplar das urnas de 6 de maio foi de evidenciar o quanto o eleitorado negro repudiou o reverendo Wright, tanto quanto os blue collars brancos, num estado como o de Indiana, não repetiram o de Pensilvânia. Saíram do regaço da senadora e praticamente deixaram empatada a votação final.


Não se está mais na proposta cosmética de Hillary como opção de voto, e a candidata sabe o quanto não bastará mais a sua endurance e a sua estrita combatividade para virar ainda o jogo. De toda forma, e a bem daquela democracia profunda, os democratas, de vez, levarão as urnas uma mulher ou um negro à Presidência do país.


A nitidez crescente de uma escolha por Obama fez refluir os republicanos ao conservadorismo mais coriáceo. McCain vem de comprometer-se com a nomeação de futuros juízes do Supremo, do melhor teor das mesmas escolhas de Bush. E as repetidas declarações dos últimos dias espancam, de vez, a marca de liberalismo que houvesse ainda nos ditos e raros progressistas do partido no poder. O candidato teve menos 30% dos votos esperados nas últimas prévias paralelas de Indiana. E, de vez, pegou a frase chave para a próxima campanha, do que o que está em causa é o sim, ou não, ao terceiro mandato no mesmo Salão Oval, no país fundador das liberdades modernas, entre a “civilização do medo” e a “subversiva” democracia profunda.


Jornal do Brasil (RJ) 14/5/2008