Não sei se é assim com todo mundo, mas a maioria dos meus sonhos envolve um lugar a que não sei ou não consigo chegar, um compromisso com uma tarefa impossível ou qualquer outra situação angustiante. O objetivo desse tipo de sonho, todos sabem, é nos acordar e nos obrigar a ir lá dentro. Há também sonhos deliciosos, como o de estar jogando futebol, coisa que não faço na vida real há mais de 50 anos. Mas mesmo esses podem se converter, de repente, num pesadelo, como o que tive outro dia: o Flamengo estava em situação desesperadora num jogo e dependia de que eu entrasse em campo para salvá-lo. Detalhe: eu não era um jogador no banco de reservas, mas um torcedor na arquibancada.
Desde há algum tempo, outro tipo de sonho vem acontecendo com frequência: aquele em que, diante de algo terrível, tipicamente pré-urinário, tenho de repente a súbita consciência —dentro do próprio sonho— de que aquilo é só um sonho e não está acontecendo. Em seguida, acordar ou não tanto faz. O importante já aconteceu: a certeza, ainda dormindo ou já acordado, de que o sonho se resolveu.
Como não tenho grande interesse pelo assunto e achando que todo mundo tem esse tipo de sonho, nunca liguei muito para ele. Fico sabendo agora que os estudiosos o chamam de "sonho lúcido" e que, por ser raro, está sendo estudado por neurocientistas como Sidarta Ribeiro e seus colegas em universidades da Holanda e do Rio Grande do Norte. "É um estado de vigília interna, um despertar para o mundo de dentro, envolvendo a forma como o cérebro processa informações", disse Sidarta outro dia à Folha.
Segundo ele, a maioria das pessoas que passa por isso –a lucidez durante o sonho-- desperta abruptamente. Devo estar nas exceções. Acordo com tranquilidade e com uma deliciosa sensação ao constatar que era um duplo sonho.
Tudo bem, é uma delícia, mas depende do desfecho. Um personagem de Jorge Luís Borges sonhou que estava sonhando. Ao despertar, descobriu que não existia —que estava sendo sonhado por alguém.