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O símbolo do novo

 

 A opinião pública americana apenas começa a se dar conta da vastidão do seu protagonismo no avanço de Obama nas prévias presidenciais. O debate no Texas mostrou que o público sabe o que quer ouvir, independentemente do que digam os candidatos. O que está em causa é esse arranque do inconsciente coletivo americano a sacudir em toda profundidade de um status quo e as alternativas de um futuro,  pós Reagan, entre as dinastias Bush e Clinton. Refuga o tosco physique de role texano bem como beautiful people kennedyano. O apoio à Obama pelo senador da clã soou como um beijo da morte, na rejeição do Massachusetts, ao gesto do obeso patriarca de uma legenda em que não quer também se reconhecer a nova América profunda, a arejar de futuros confortáveis e conhecidos.


A competência de propor uma trajetória sem sustos por Hillary se venceu o preconceito de uma mulher no poder não permite a Madame superar a marca bem comportada para chegar ao Salão Oval. E o conservadorismo está ainda na medula do partido que devastou todas as candidaturas suspeitas de esquerdismo quando ganhou a última eleição congressual em 2006.


Obama escapa da roda gigante da alternância se de fato se mantiver como o estrito símbolo do novo – que mais não se lhe peça nem diga – e, sobretudo, evitar um corpo a corpo de propostas com a rival. Teve já visão prospectiva quando saiu do gueto da afirmação negra e quer ser, imaculadamente, o candidato diferente. E não vai variar a retórica monótona e vazia que o leva ao sucesso a tão só exaurir um slogan. O discurso triunfal de Wisconsin foi cercado dos dísticos e placas vermelhas gritando “change”. E recusa-se, com seu jaquetão empertigado, a ir além do pacto de símbolos já feitos com a sideraçao do seu eleitorado.


Não temos talvez desde o New Deal rooseveltiano dos 30 uma sublevação eleitoral aos jogos feitos do sistema e à clássica oferta entre democratas e republicanos de um mesmo refogado político do establishment americano. A destruição neste século do mito do candidato “independente” só consolidou de vez essa dualidade final de voto, em que o país se tornou sempre prisioneiro de opções sem sobressaltos.


  A competência das propostas de Hillary superou qualquer velho preconceito ainda contra uma mulher no poder. Não se discute a visão global da problemática americana, e do que é a sua fórmula de chegar ao poder.  Os democratas pretendiam afinal ganhar a Casa Branca, na seqüência do controle do Congresso de há um ano atrás, respaldado nos mais moderados dos candidatos eleitos, contra a devastadora derrubada do que existisse, ainda, de diferente no partido de Roosevelt, Carter ou Kennedy.


  Mas que América é essa que votará em Obama, empurrando de vez para a minoria o país do fundamentalismo evangélico, do neoconservadorismo guerreiro da adiposa inércia hegemônica? O senador de Illinois ganha sem precisar da programática abundante das bulas arquiconhecidas de Hillary. Mas, no dia seguinte, o que é, para além da catarse, a novidade, o rumo e o compasso do que se decida no Salão Oval, além da promessa da saída imediata das tropas americanas do Iraque e do Afeganistão?


Os dados estão lançados para que não seja a experiência o trunfo da vitória, mas o jogo dos riscos históricos em que se afirma a grandeza de um país. Uma nova colegialidade renovará os quadros do partido estupefatos, e antes conformado com as opacas lideranças clintonianas. Vai enfrentar a inevitável frustração deste tsunami de chegada de Obama à Casa Branca, e sobrepor-se à esperança sôfrega, que só quer agora o mito e o símbolo da candidatura diferente?


O Globo (RJ) 27/2/2008