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O PT, velha e nova esquerda

 

O que resultou, de fato, da reunião de São Paulo, quando, pela primeira vez, abrigamos na terra de Lula, e do novo símbolo da mudança social o encontro da Internacional Socialista? E para dizer dos outros caminhos do mundo, assediado pela hegemonia do mercado global? Foi talvez um alerta aos cuidados, senão a novas guinadas, o não se ter entoado o hino lendário da entidade durante a enorme reunião. Estaria ou não, aí um sinal de que é outra, agora, a clarinada de fundo, para formular a alternativa ao universo unipolar em que mergulhamos?


A reunião de São Paulo exibe, de saída, o contraste entre a mobilização da América Latina e da África, frente à União Européia, de lugares conspicuamente vazios, no tronco mesmo desse socialismo, mediado em social democracia.


Não é consolo a presença da periferia do velho continente, a marcar ponto, com o primeiro-ministro da Polônia, puxando o repique asiático da implosão soviética presidentes e hierarcas da Mongólia, do Uzbequistão ou do Azerbajão. Todos a manter a vigília utópica, como convém a uma moldura defasada do velho império soviético para buscar outro caminho que o neoliberal. Não passou da figuração o socialismo francês ou o italiano, de par com a ausência conspícua, de última hora, de Felipe Gonzalez, postulante a uma rentré da esquerda européia, muito mais do que um Jospin, saído das cinzas, afinal, e voltando à vida política.


Deparamos na Internacional recém-finda ausência de mensagem agora, retração tática ou busca em profundidade, ainda sem resposta da alternativa? O presidente do encontro Guterres soube mediar e definir tempos e transações para situar a relevância, ainda, do encontro de São Paulo. Evidenciou-se, de imediato, na força do pano de fundo, a presença, como convidado, do PT, saindo-se, de vez, do equívoco pertinaz, do velho populismo.


Distanciou-se, pois, o imaginário internacional do folclore brizolesco, diante dos caminhos de fundo em que é tão diferente a esquerda que, de fato, chegou ao poder no Brasil. E que tem no PT o caminho da práxis para chegar ao que, em vão, perseguem, agora, as economias enrijecidas do socialismo europeu. Na palavra de Lula, é este o recado de uma nova geração do pensar-se a esquerda fora das pertinácias ideológicas e dentro de verdadeiros "olhos de ver" de até onde chegou a dominância do neoliberalismo.


De fora da Internacional, a agenda de uma cooperação petista passa pelo cuidado das diferenças, como sugere José Genoino, dentro de pontos cardeais comuns. O que se impõe é uma larga definição de partidos e legendas progressistas, no mundo de após a guerra do Iraque, e, também, dos plebiscitos selvagens do povo na rua, contra a cruzada anglo-americana, puxada pela ofensiva antiterror.


As cautelas do debate, por entre a ausência de piques temáticos quanto ao imediato da ação socialista, desertada como nunca dos centros do poder contemporâneos, voltam-se para este eixo ainda dito periférico em que emerge a posição brasileira. Significativamente, foi o presidente Mbecki da África do Sul que evidenciou o quanto uma ação de esquerda passa pelas ainda dita periferias. Mais ainda, para além de seus aliancismos clássicos na busca de enlaces supracontinentais.


Não basta salientar o quanto a experiência de Lula transbordou o País, e é o cerne mesmo da América Latina que vê no presidente um herói da mudança, como salienta Alain Touraine - e que não fugiu da esperança de transformação social. Aí estão os dados da pesquisa de Miami, mostrando o quanto Lula é o primeiro protagonista da liderança continental, somando significativamente em proporções análogas, a confiança na força da democracia brasileira, à possibilidade de melhorar-se o desempenho social numa efetiva ação transformadora.


O contraste no caso brasileiro com o resto dos vizinhos ainda é maior, na falta de toda expectativa quanto ao governo Fox no México, visto como amarrado ao toque de reunir sem volta da Alca. Onde estão os elementos de uma reflexão para além da coerência utópica no que se exige da racionalidade exímia para a procura do antineoliberalismo? E como nele distinguir-se a resistência chegada até a provocação do irracional? Importa buscar o dialetizável, como marca de um projeto de esquerda, para as hegemonias de mercados, chegadas ao seu ápice neste pós-conquista de Bagdá.


Esta iniciativa que cria as diferenças efetivas está em mãos de países como o Brasil, ou uma nova Argentina que saia dos estilhaços dos mais ortodoxos dos neoliberalismos, ou de uma África do Sul. É o que exige o repúdio a toda identificação como periferia que, de saída, já condiciona um dizer a que vem, e como confronta o que aí está, com o ferrão da história e sua dialética. Aceitar hoje o papel de periferias é, de vez, concertar-se numa sub-ribalta mundial. Mormente quando, globalizado, o mundo perde-se inclusive a referência onde uma materialização geográfica definia a velha dominação imperial. Mas em vão encarna o universo praticamente virtual onde se implanta a hegemonia, nos seus multicondicionamentos sem quartel, nem sobretudo, consciência, das contradições prioritárias.


É dentro dessa premissa que determinados nervos da verdadeira alternativa passam por questões críticas, como a efetiva revisão do papel do Estado na mudança - após o impasse das ditas privatizações; a das estratégias dos países-continente, por si mesmo, menos vulneráveis à dependência externa - em que naturalmente avulta a perspectiva brasileira; a viabilidade de se fazer, de fato, do social uma alavanca direta da mudança, nada a reboque da dinâmica estritamente econômica. A Internacional que queremos tem o seu programa à frente, no que faça fé, pela dureza da espera do País de Lula, sem a retórica da racionalidade ou a impaciência populista.


 


Jornal do Commercio (RJ) 7/11/2003