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O pleito americano e a opção apocalíptica

 

Configura-se, até agora, um empate dramático na competição entre Obama e Romney  para o pleito presidente. É o que remete, de maneira crucial, à presença, ou  não, daqui para o futuro, do estado na vida política dos EUA. Deparamos, na candidatura republicana, a resposta de expectativa histórica da cultura do país. Apoiado no individualismo, na certeza da prosperidade, na plena assunção do modelo econômico capitalista, Barack Obama vai ao contraponto desses rumos.  Ampliou o New Deal rooseveltiano, na antecipação, mesmo, da crise de 68, que atingiu em cheio o seu mandato, de par com a consciência dos crescentes desequilíbrios do bem-estar social americano. O acesso aos serviços públicos,  através do programa de generalização da oferta da saúde, transformou-se no seu  carro-chefe, de par com a tentativa de redistribuição de renda pela imposição  fiscal, que ainda não avançou, e da melhoria da Previdência.

O entranhamento no fundamentalismo, instigado pelos novos confrontos  internacionais, e pelo terrorismo, encontrou em Romney um somatório de alianças, fora do extremismo do Tea Party, incorporado pela candidatura anterior. Ou melhor, somando a recusa de todo o assistencialismo social à negação da crise, intrínseca ao sistema econômico, e traduzida da religião ao cerne da mobilização política.

Na escolha do vice, Paul Ryan foi extremo na defesa de cortes orçamentários,  praticamente reduzido da despesa pública as exigências de segurança, e  descartando todos os imperativos da inclusão social. Romney logrou evitar a 
rejeição ao seu credo mórmon, e, curiosamente, buscou o apoio católico ostensivo de suas lideranças mais próximas, como, Rick Santorum, a defender o veto ao evolucionismo nos livros escolares públicos. Significativamente, foi o arcebispo de Nova Iorque quem rezou a missa de encerramento da Convenção. Obama, entretanto, no rapto às "zonas de conforto" do status quo, foi atingido pelo  desemprego, e pelo aumento inevitável e geral da fiscalidade, em vez de, apenas  como pretendia originalmente, gravar os mais ricos. Mas ainda avulta o paradoxo  do amplo socorro, por Obama, ao establishment bancário, ao deparar-se a crise  dos "hedge funds" do último biênio.

O discurso de Clinton, no remate da convenção democrata, salientou, sem disfarce, o dilema do próximo voto presidencial. O que está em causa são as contradições da prosperidade americana e uma intervenção pública, para ficar.

No cerne do status quo, os menos favorecidos continuam, não obstante, a manter a crença num providencialismo da riqueza, sem consciência das desigualdades crescentes de sua acumulação. Não se mantêm atentos à catástrofe de uma vitória de Romney, que exaspera as alternativas, e quer retomar, de imediato, o mais radical "laissez faire", como não acontece desde os governos pré-1930, da Grande Depressão. Mas o jogo não se fará sobre esta antevisão, mas consoante os números fatais e desesperados, em que penderá a balança do desemprego, neste trimestre. O drama da opção passa pelo realismo imediato do orçamento doméstico, e é desta decisão que a população dependerá para ingressar, ou não, num apocalipse sem retorno.

Jornal do Commercio, 14/9/2012