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O pertinaz Brasil de Renan Calheiros

 

Duvida-se hoje, mais que há um mês, que Renan Calheiros será cassado. Todos os sintomas estão aí na frenagem do processo, empurrado à boa e tépida desmemória nacional. A polícia pede mais tempo, os dossiês não se concluem, as denúncias entram em delta amazônico, confiando no estuário final da confusão. Na crônica da corrupção esperada e consentida da vida política brasileira, o senador Calheiros inova, na determinação absoluta do pagar para ver e confiar na realpolitik do sistema por sobre a moção do aparelho de justiça e seu possível desfecho. Entre opositores e clãs do status quo uma convicção crescente se impõe, de que a crise perdeu todo o impacto, para ser administrada pelas comportas do "tudo bem" e, afinal, do "deixa disso".


Ao mesmo tempo, o procurador-geral da República testa, junto ao Supremo, o grau de tolerância, ou não, da nossa realpolitik, com o comprobatório jurídico da corrupção. Às vésperas do voto do ministro Joaquim Barbosa, Antonio Fernando enfatiza ainda a força desse demonstrativo, prometendo novos dados caso o Supremo abra, de fato, o processo de todas as expectativas. O procurador-geral brande autos copiosos, somando alegações de corrupção, aqui e ali, à figuração de uma dita ação de quadrilha, querendo tipificar uma contínua operação da cosanostra contra os dinheiros públicos.


Das perplexidades do caso Renan à contumácia do mensalão, o que está em causa é uma possível "virada de página", nas mecânicas em que o status quo digeriu, no correntio da vida política, o alcance dos dinheiros públicos. O atual Congresso (sem dúvida, o pior da redemocratização) não só reabsolveu a maior parte dos mensaleiros - e não se fale mais nisso - mas se vê preso à inércia morna do que está aí e, hoje, já à impossibilidade de sua quebra. Acolheu, na seqüência do anterior, o jogo de trouxo e mocho das comissões de inquérito que condenam e dos plenários que tranqüilamente absolvem. O avanço novo do Executivo frente ao velho Brasil, aninhado no Congresso, é de mostrar o fio das provas e de como a polícia hoje chega lá. E a Procuradoria Geral da República as encampa. A solidez crescente, por outro lado, de Renan Calheiros, mostra como o achego à corrupção na cultura pública brasileira mantém-se imune e coriáceo às evidências que lhe venham do auto da fé das delegacias.


Nestas idas e vindas do processo no Senado calibra-se a conveniência do julgamento; da abertura da sua caixa de Pandora; dos pactos da societas sceleris, que possam acobertar, numa avaliação que continua, mal percebidas ainda as retaliações e as cumplicidades forçadas. A calar o país, o Congresso anterior já recorrera, na hora do mensalão, às duas cassações na boa simetria dos exorcismos, a de Roberto Jefferson paga por José Dirceu, buscado no Planalto para sofrer a cassação do mandato que não exercia em função de alegadas condutas fora do Legislativo.


A dimensão política não se afasta do julgamento - se for aberto - para jogá-lo às delongas que amaciam o cutelo da paciência pública. Pouco importaria agora o seu desfecho, nem as secas e mecas dos tempos de espera que consumirão a atenção nacional. O recado imediato é o do quanto a nossa indulgência com a corrupção prossegue, ou não, no seu pêndulo de compromisso. A tranqüilidade do presidente do Senado só se apruma, e a normalização dos trabalhos da Câmara Alta vem de par com a impermeabilização do Congresso, sabedor, na sua realpolitik, que a opinião pública já chegou à impotência do protesto.


Jornal do Brasil (RJ) 22/8/2007