O advento democrático no Oriente Médio não nos pode deixar de nos acautelarmos quanto ao perigo de que esses novos regimes atentem às condições de pluralismo, de que se faz o efetivo avanço das liberdades. O pior é que agora - e diante do risco do terrorismo islâmico e da guerra de religiões - a exclusão social se alastra no próprio Ocidente, sendo esse o perigo dos novos fundamentalismos que acossam os Estados Unidos e a Europa. Começa pela tomada de posição antiárabe da Alemanha e da Inglaterra e continua pelo novo perfil americano, nas políticas de reconhecimento social no seu território.
Os crescentes freios, nos Estados Unidos, contra a imigração mexicana contrastam com o passado clássico do país aberto a todo e qualquer fluxo migratório. Esse travo pode vir às garantias elementares de reconhecimento dos direitos humanos, como hoje imposto aos chicanos. É o caso da legislação de Arkansas - em norma ainda não reconhecida na sua inconstitucionalidade pela Corte Suprema americana -, de se prender alguém tão só pelo aspecto físico de migrante, em nítida presunção de sua entrada clandestina no país.
Depararíamos hoje o avanço de uma visão exclusivista da cidadania que força, por exemplo, os mexicanos, ao se naturalizarem, a jamais lutarem pelo reconhecimento do espanhol como uma segunda língua nacional. Trata-se, pois, de uma redução objetiva dos direitos à identidade, numa permanente capitis diminutio imposta às levas migratórias para uma integração coletiva, discricionária. Essa torna defensiva à identidade pode chegar à radicalidade limite ou à reificação, qual a que hoje leva o conservadorismo americano, não obstante o recuo da era Bush, a um novo isolacionismo internacional, no culto da pureza irredutível das origens do país, como o reivindicado pelo Tea Party.
É o que poderia levar à visão da América como reduto do cristianismo, tal como expresso pelos governos republicanos, em novo reducionismo continental. Tal se desenha nas fronteiras pressentidas das guerras de religião, no empenho pela desocidentalização mundial manifestado nessas tensões da tomada de consciência, nas muitas diacronias em que se superou a visão ingênua do progresso e da modernização. É o que também, nesse mesmo contraponto histórico, e face ao acordar árabe desses meses, cobra a mantença de uma laicidade como já conquistada na Tunísia ou no Egito, mesmo nos governos autoritários, em termos de avanço da consciência universal, ameaçada pelas ondas da torna islâmica.
Esse desponte do fundamentalismo se reforça pela radicalidade, já que essas revoluções não escapam também do impacto mimético e seu inevitável efeito dominó. É em tal quadro que se perfila o impasse dialético para o pluralismo nos regimes de após a derrubada dos governos autoritários. A se respeitar o seu caráter revolucionário, confrontam uma longa secularização diacrônica, num tempo por igual recuperador e regressivo, diante da busca de autenticidade até agora reprimida. E como fica a nova ordem internacional nessa luta pelo ganho das identidades no pluralismo democrático? Vamos nos resignar simplesmente com uma coexistência? Ou asseguraremos a recepção de um outro, em efetivo reconhecimento coletivo?
A democracia progride como toma de consciência histórica diante das ideias da modernidade em que prospera o pacto social do Iluminismo. Hesitamos ainda entre buscar um consenso nas terraplanagens fundamentalistas e garantir a permanente presença de minorias, como reclama a regra, também própria da democracia, de assegurar a diferença limite entre a sociedade civil e o Estado.
É por aí mesmo que a recusa do pluralismo, na nossa prospectiva de médio e longo prazos, elimina todo o vis-à-vis de um mundo capaz de assegurar a existência do outro e, portanto, da diversidade. Apenas começamos a nos dar conta do perigo de um Ocidente antiárabe a se assentar na globalização, de denominadores sociais estritos e predeterminados. A nova instância conservadora europeia quanto à seleção migratória abre uma interrogação ainda sem resposta: se tais segregações refletem o traumatismo da catástrofe do 11 de setembro ou se já deparamos o novo malthusianismo econômico-social no mercado da prosperidade concentrada do velho mundo europeu.
Jornal do Commercio (RJ), 3/6/2011