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O Paraguai de Lugo e o Brasil de Lula

 

Fernando Lugo, eleito presidente no Paraguai, dá conta, ainda que atrasado, do profetismo da mudança que o Vaticano II viveu com a ação da Igreja na América Latina. È solitariamente também que o faz, ao contrário do que no Brasil permitiu o fenômeno conjunto da mobilização com as estruturas sindicais e de toda aspiração dos excluídos, organizada de forma inédita pelo PT.


O bispo, que quatro décadas depois deixa a sua diocese, entrega-se à causa popular sem alternativa. Acompanhou-se o seu dever de consciência e a sua agonia interior no que seria – e no melhor sentido profético – responder a uma Igreja versus Populum. E isso no coração insulado da América Latina, da América do Sul, sobrevivendo ao século de destruição subseqüente à guerra da Cisplatina, e à organização mais nítida do sistema neocolonial de concentração de riqueza, de convivência cínica com a marginalidade e da promiscuidade da coisa pública com a cosanostra.


Significativamente também era o país onde uma tradição missionária cristã e essencialmente jesuítica criaria uma homogeneidade de mobilização e expectativa da palavra pelo povo fiel. O Paraguai não só foi ao escarmento da cupidez do sistema, como hoje vive de um subimperialismo brasileiro. Encontramos para além do Paraná os latifúndios mais opulentos e os mais temerosos da reforma agrária pretendida por Fernando Lugo.


O bispo que não largou o báculo viu-se como a confluência simbólica das expectativas dos destituídos como da classe média ou da micro-empresa paraguaia, espremidos entre o incipiente populismo sindical e a empresa sem face no país a que o Partido Colorado assegurou toda negociação ou a burocracia nacional. A derrubada de Strossner só mostrou o entranhamento do sistema e a sua contaminação pelos primeiros empenhos de mudança tentados pelo semi-reformismo, porém deixados no esquecimento.


O abrigo dos mandatários no Brasil por sua vez expelidos neste processo só mostra a nossa contumácia com tudo aquilo contra o qual desponta a vitória de Fernando Lugo. Não nos basta a parábola da volta do general Oviedo saído do bem-bom do seu exílio no Paraná para ainda ser perdoado de todas as faltas, o adversário do candidato do movimento democrático. Ou seja, de um verdadeiro levante eleitoral que não quis se identificar com nenhuma sigla do status quo, e reforçou-se ainda dos núcleos da mudança, sufocados ainda dentro dos situacionismos conformados.


O nacionalismo inevitável de Lugo é a resposta à autenticidade deste reclamo temporão, que defronta um regime que levou ao extremo as polarizações da riqueza onde um capitalismo brasileiro tem a sua parcela leonina. Só viu o país a mobilização de última hora das nossas fortunas de fronteira a tentar ainda garantir uma vitória de Oviedo. Mas o confronto básico – em que vai todo à perspectiva de Lula – é necessariamente o acordo internacional sobre Itaipu, onde caberá ao Estado brasileiro posição decisiva na mudança política de preços em que tradicionalmente nos beneficiemos das reservas energéticas paraguaias na alimentação das nossas turbinas de Itaipu.


Lugo não deixou dúvidas sobre esta pretensão-chave fazendo da visita à Lula o remate de sua campanha. Vai à Brasília agora esta instância decisiva. Sabemos até onde daremos a razão ao novo presidente e fazer do Brasil – da nossa abertura ou da nossa insensibilidade – o primeiro alvo objetivo do novo Paraguai. A tradição prévia já com a Bolívia e as vantagens concedidas pela Petrobrás ao governo Morales servem de precedente a que na nova liderança continental brasileira uma política de revisão de tratados, nascidos numa primeira exploração da assimetria das partes, prevaleça sobre uma política de auxílio caritativo ou de boa vontade social onde só instalaremos a dependência da nação irmã.


O PT viveu a experiência matriz de uma consciência política emergente no país. E a Igreja que ficou ao seu lado, continua agora nos reclamos que lhe fará Fernando Lugo companheiro temporão da mesma viagem por uma América Latina para si, consciente de suas contradições e retóricas da boa vontade.


Jornal do Brasil (RJ) 30/4/2008